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Organizador de shows da Expoacre acusado de tráfico e lavagem de dinheiro é solto; decisão levanta questionamentos sobre o Judiciário

A decisão que concedeu liberdade a Marck Johnnes da Silva Lisboa, apontado como organizador de shows da Expoacre e investigado por crimes graves, reacendeu o debate sobre a coerência e a previsibilidade das decisões judiciais no Acre. Menos de 24 horas após ter o pedido negado, outra decisão o colocou em liberdade.

O investigado responde a acusações que incluem associação criminosa, tráfico de drogas, lavagem de dinheiro e falsificação de contratos de exclusividade, envolvendo inclusive a Casa da Amizade, entidade ligada à realização de eventos. Parte das investigações apura sua atuação em grandes produções culturais, entre elas shows realizados durante a Expoacre.

O ponto que chama atenção, no entanto, não é apenas o conteúdo das acusações, ainda em fase de apuração, mas a sequência de decisões contraditórias no curto espaço de tempo.

Na véspera, o Tribunal de Justiça do Acre havia indeferido pedido de liminar em habeas corpus, mantendo a prisão preventiva do investigado. A decisão sustentava que não havia flagrante ilegalidade, que o caso exigia análise aprofundada e que persistiam fundamentos cautelares para a manutenção da custódia.

Pouco depois, contudo, o próprio Judiciário revogou a prisão preventiva, substituindo-a por medidas cautelares, como monitoramento eletrônico, recolhimento domiciliar noturno, proibição de se ausentar da comarca e comparecimento periódico em juízo.

A mudança abrupta de entendimento, sem a apresentação pública de novos fatos relevantes, gera perplexidade e alimenta a sensação de insegurança jurídica, é o que garante um advogado ouvido pela reportagem.

Do ponto de vista institucional, o episódio expõe um problema recorrente: quando decisões judiciais oscilam de forma brusca em casos de alta repercussão, o impacto não recai apenas sobre os investigados, mas sobre a credibilidade do próprio sistema de Justiça.

É legítimo que o Judiciário reveja posições, conceda liberdade e aplique medidas alternativas à prisão. Isso faz parte do Estado Democrático de Direito. O que preocupa é a falta de clareza para a sociedade sobre os critérios que justificam mudanças tão rápidas em processos que envolvem acusações graves e grande interesse público.

Enquanto a defesa sustenta a inocência do investigado e o processo segue seu curso legal, permanece a pergunta que ecoa fora dos autos: como explicar ao cidadão comum que alguém acusado de tráfico, lavagem de dinheiro e associação criminosa permaneça preso em um dia e esteja solto no outro, sem que novos elementos tenham sido tornados públicos?

Mais do que um caso isolado, o episódio reforça a necessidade de transparência, comunicação institucional e previsibilidade nas decisões judiciais, especialmente quando envolvem figuras públicas, grandes eventos e recursos que circulam no entorno do poder.

O silêncio, nesse contexto, não protege o Judiciário. Ao contrário: alimenta o descredito.

Casa da Amizade citada nas investigações

A investigação também lança luz sobre a atuação da Casa da Amizade, instituição escolhida para firmar convênios milionários relacionados à realização dos eventos da Expoacre.

De acordo com os elementos reunidos no inquérito, a Casa da Amizade teria sido utilizada como instrumento formal para viabilizar contratos, repasses e execuções financeiras, levantando suspeitas sobre possível falsificação de contratos de exclusividade, uso de entidade filantrópica para intermediar recursos públicos e privado e risco de desvio ou lavagem de valores milionários, segundo a linha investigativa.

Embora a instituição ainda não tenha condenação judicial, o simples fato de figurar como peça central em contratos sob investigação já acende um alerta sobre os critérios de escolha, fiscalização e transparência na gestão de recursos ligados a eventos públicos.

Especialistas ouvidos pela reportagem avaliam que, se confirmadas irregularidades, o caso pode representar um dos maiores esquemas de instrumentalização de entidades “sem fins lucrativos” para fins ilícitos no Acre.

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