quarta-feira, 31 dezembro 2025

MPAC cobra respostas do prefeito Bocalom sobre remoção de famílias do bairro Papouco

Por André Gonzaga, da Folha do Acre

Documento exige endereço, programa habitacional e plano completo para famílias do Papouco

O Papouco não é só um bairro. É uma ferida aberta no mapa de Rio Branco, um lugar que há quase trinta anos carrega o peso da vida dura e do preconceito. Ali, entre casas frágeis e ruas que somem com a chuva, vivem famílias que aprenderam a resistir ao abandono. Agora, mais uma vez, elas estão diante da ameaça de serem tiradas de lá.

Nesta terça (30/12), o Ministério Público do Acre (MPAC) voltou a cobrar da Prefeitura explicações sobre como pretende fazer essa saída. O prazo é curto: apenas cinco dias para dizer qual será o endereço, qual programa de moradia vai ser usado e apresentar um plano completo. O promotor Thalles Ferreira Costa lembra que não se trata de números em papel, mas de vidas que precisam de garantias mínimas de dignidade.

Essa cobrança não é novidade. Em outubro, a Promotoria Especializada de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania já havia publicado a Recomendação nº 25/2025, determinando que ninguém poderia ser retirado sem planejamento, sem ouvir a comunidade e sem oferecer casa adequada. Desde então, silêncio. A Prefeitura fala em pressa, mas não mostra respostas.

No mês passado, uma audiência pública na Câmara Municipal, convocada pelo vereador Fábio Araújo (MDB), crítico à gestão Tião Bocalom (PL), escancarou o dilema. Parte dos moradores disse que aceita sair, mas só se tiver destino certo, com escola e posto de saúde. Outros rejeitaram a ideia, lembrando que não têm condições de recomeçar em outro lugar.

Durante a sessão, o secretário de Assistência Social e Direitos Humanos, João Marcos Luz, que é pré-candidato à Câmara Federal pelo PL, prometeu 200 casas, mas admitiu que o projeto está parado e sob investigação. Na época, ele disse que as 160 pessoas que vivem em 70 barracos seriam retiradas. A fala mais dura veio de Maria Souza, que há mais de 20 anos tira o sustento como microempreendedora na região: “Vou ter que me prostituir para sobreviver?”, desabafou, ao saber que a mudança seria a 12 quilômetros de distância, longe da clientela que garante sua renda.

O que diz a Assistência Social

Na última segunda (29/12), João Marcos Luz lamentou o deslizamento de terra no Preventório, área que se estende até o Papouco, onde oito casas caíram no fim de semana. Para ele, o episódio não foi acaso, mas um desastre que todo mundo já sabia que podia acontecer.

O secretário disse que o lugar é insalubre, com exploração infantil, criminalidade alta e risco permanente de desmoronamento. Segundo ele, a Defesa Civil já tem laudos mostrando o perigo. “Se a gente não agir, podemos ter uma tragédia ali, com pessoas perdendo a vida. Então que fique claro esse nosso alerta, porque se acontecer algo ali, o Poder Público municipal não vai ter essa responsabilidade”, afirmou.

Apesar de falar em pressa e tentar se livrar da culpa caso ocorra uma tragédia, Luz não disse para onde as famílias vão nem em quais condições. O que existe é só a promessa anterior, feita na audiência, de 200 casas em um programa suspenso e sob investigação. Ou seja, o discurso de urgência não veio acompanhado de respostas concretas, reforçando a contradição entre reconhecer o risco e não apresentar solução real.

O que diz o MPAC

O Ministério Público também se manifestou. O promotor Thalles Ferreira lamentou a tragédia no Preventório e explicou que estudos geológicos classificam a área como de rastejo, sujeita a erosão lenta que pode provocar novos desmoronamentos.

Mas, diferente da Prefeitura, o MPAC não aceita que a pressa passe por cima da lei. “Não somos contrários à retirada forçada, como foi dito ontem. As coisas precisam ser feitas de acordo com o devido processo legal”, declarou.

O órgão alerta que, se a Prefeitura descumprir, pode ser crime, com pena de até três anos de prisão. A Prefeitura confirmou ter recebido o ofício e prometeu resposta.

Direitos negados

O caso do Papouco é mais do que uma briga de papelada e indica aporofobia institucional, com tentativa de limpar o centro da cidade sem enfrentar as raízes da desigualdade. O bairro, marcado como território de violência e drogas, é também espaço de sobrevivência e memória. O que está em jogo não é só tirar famílias, mas o direito de existir em uma cidade que insiste em negar-lhes lugar.

Assim, o impasse continua. Entre recomendações ignoradas, promessas suspensas e desabafos desesperados, o Papouco segue sendo a fronteira onde se mede a distância entre discurso e realidade.

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