Há debates que parecem triviais, mas funcionam como um raio-x cultural de um país. No Brasil de 2025, em meio a tensões geopolíticas globais, inflação resiliente e identidades regionais em disputa, um embate improvável atravessa calçadas, rios, mercados e aeroportos: afinal, Havaianas ou Ipanema?
À primeira vista, trata-se apenas de borracha moldada em forma de chinelo. Na prática, é soft power em estado puro. As Havaianas, marca globalizada, exportada para mais de 100 países, representam o Brasil “vendável”: colorido, solar, tropical, amigável ao olhar estrangeiro. Já as Ipanema falam outro idioma — o da moda consciente, do design urbano, do discurso ambiental e da estética alinhada à Europa.
No Acre, onde a geografia impõe pragmatismo e a cultura valoriza resistência, o chinelo não é acessório: é ferramenta. Nos mercados de Rio Branco, nas comunidades ribeirinhas e até nos gabinetes informais da política local, a escolha do chinelo revela mais do que gosto — revela pertencimento. Havaianas dominam pela durabilidade e preço; Ipanema cresce entre jovens urbanos que querem sinalizar identidade, não apenas conforto.
Esse embate reflete uma disputa maior: o Brasil quer ser tradição ou reinvenção? Produto de massa ou manifesto de estilo? Enquanto o mundo discute semicondutores, rotas marítimas e inteligência artificial, o brasileiro decide seu lugar no mundo começando pelos pés. É quase poético — e profundamente político.
No fim, não se trata de quem vence. Trata-se do que essa escolha diz sobre nós. Em um país continental, até o chinelo vira ideologia. E talvez seja justamente isso que nos define: enquanto as potências brigam por territórios, o Brasil debate símbolos. Descalço, mas nunca desatento.
Porque aqui, até a geopolítica começa no chão.
