segunda-feira, 1 dezembro 2025

Caminhos para o recomeço: Defensoria Pública e Ieptec unem esforços em iniciativa que garante acolhimento e qualificação para mulheres vítimas de violência no Acre

Por Mirlany Silva, da Folha do Acre

Entre janeiro e setembro deste ano, foram registrados cerca de 4.669 casos de violência doméstica no estado do Acre. O número representa uma diferença de apenas 1.242 casos em relação a todo o ano de 2024, que contabilizou 5.911 ocorrências entre janeiro e dezembro, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), disponibilizados no Painel de Violência Contra a Mulher (DataJud – Base Nacional de Dados do Poder Judiciário).

Os números reforçam a gravidade da violação dos direitos humanos das mulheres e evidenciam a urgência de iniciativas que combatam a violência de gênero. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), globalmente, 1 em cada 3 mulheres sofre violência física ao longo da vida, sendo na maioria das vezes, praticada pelo próprio parceiro.

“A violência contra as mulheres é uma das injustiças mais antigas e generalizadas da humanidade, mas segue sendo uma das que menos se combate”, afirmou Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da agência sanitária da ONU (Organização das Nações Unidas), em comunicado.

Nesse cenário, iniciativas como o projeto “Cuida, Maninha! Teu recomeço é agora”, desenvolvido pela Defensoria Pública do Estado do Acre (DPE/AC) em parceria com o Instituto Estadual de Educação Profissional e Tecnológica (Ieptec) e integrado ao Programa Mulheres Mil, têm desempenhado um papel fundamental na transformação da vida de mulheres em situação de vulnerabilidade social. A proposta oferece cursos gratuitos estruturados com base nas demandas reais do mercado de trabalho local.

“Cuida, Maninha! Teu recomeço é agora” é desenvolvido pela Defensoria Pública em parceria com o Ieptec – Foto: DPEAC/Cedida

Representando o Ieptec, a coordenadora-geral das Ações Vinculadas ao Bolsa Formação, Katiúscia de Souza, explica que os cursos foram definidos considerando setores com maior potencial de emprego e renda, como serviços, alimentação e atividades de cuidado. “A ideia é garantir que essas mulheres tenham acesso a qualificações práticas, úteis e que realmente abram portas para novas oportunidades”, destacou a coordenadora-geral.

Outro ponto central do projeto é a assistência estudantil, que ajuda a custear transporte, alimentação e materiais, permitindo que as alunas frequentem as aulas e concluam o curso sem comprometer suas responsabilidades familiares.

Para a defensora pública Clara Rúbia, chefe do Núcleo de Promoção da Defesa dos Direitos Humanos da Mulher, Diversidade Sexual e Gênero (Nudem), o projeto foi inspirado na experiência do “Te Aluí, Mulher”, desenvolvido pela Defensoria Pública do Maranhão, e adaptado à realidade acreana.

“Aqui no Acre, adaptamos essa iniciativa à nossa realidade local. O ‘Cuida, Maninha!’ reforça a convicção de que promover a inclusão produtiva é uma das formas mais eficazes de garantir liberdade e dignidade, princípios que orientam o trabalho do Nudem desde a sua criação”, afirmou a defensora pública Clara Rúbia.

Segundo ela, a parceria com o Ieptec é essencial para alinhar técnica e pedagogia na formação das alunas, garantindo cursos de qualidade e com real potencial de inserção no mercado de trabalho.

“Essa integração permite que o projeto vá além da capacitação. Ele se transforma em uma política pública de transformação social. Enquanto a Defensoria atua na promoção de direitos e proteção das mulheres, o Ieptec oferece a qualificação que abre caminhos para a independência financeira”, explicou Rúbia.

O projeto tem como objetivo fortalecer a autonomia feminina por meio de cursos profissionalizantes que gerem novas oportunidades de renda – Imagem: DPEAC/Reprodução

Além da formação técnica, o projeto também oferece acompanhamento psicológico, social e orientação profissional, garantindo um recomeço estruturado para as participantes. “O ‘Cuida, Maninha!’ foi pensado de forma integral, reconhecendo que o recomeço de uma mulher em situação de vulnerabilidade vai muito além da formação profissional. Por isso, a Defensoria Pública oferece uma escuta qualificada e acolhedora que respeita as particularidades de cada participante”, acrescentou Clara Rúbia.

A defensora explicou ainda que a seleção das participantes segue os critérios do Programa Mulheres Mil, priorizando mulheres em situação de vulnerabilidade social, pobreza ou extrema pobreza, com baixa escolaridade e histórico de violência ou exclusão social.

“Após a conclusão dos cursos, continuaremos monitorando os resultados, avaliando impactos na renda, autoestima e inserção produtiva. Acreditamos que inclusão e autonomia não se medem apenas em números, mas em vidas reconstruídas”, afirmou Rúbia.

O projeto se sustenta em três pilares principais: proteção, educação e empoderamento, que juntos constroem caminhos para uma vida livre de violência. Clara lembra que o Acre ainda enfrenta desafios estruturais, como regiões de difícil acesso, devido à extensa área territorial do estado, mas destaca a atuação ativa na Operação Shamar, ação nacional de combate à violência contra a mulher.

“Nosso papel é garantir que a mulher encontre na instituição não apenas amparo jurídico, mas uma rede de proteção efetiva, articulada com os demais órgãos do sistema de justiça e com as políticas públicas de atendimento”, concluiu a defensora.

Arlete Assis [nome fictício], uma das alunas, conta que sua motivação foi o amor pela cozinha e pela confeitaria.

“Eu gosto de cozinhar e de me aventurar na confeitaria. Para mim tem sido gratificante, porque aprendo coisas novas o tempo todo. Levo conhecimento para casa, divido com a família, compartilho com amigas. A gente só multiplica esse aprendizado”, contou Assis.

Ela diz já estar se preparando para profissionalizar seu talento. “Eu já comecei a comprar algumas coisas. Pretendo me profissionalizar no ramo da confeitaria. Já faço alguns bolos em casa, mas de forma amadora, mas aqui vou ter mais conhecimento para colocar em prática. Já tenho algumas amigas que sempre me pedem bolo, então eu vou continuar”, completou.

Outra participante, Glória Batista [nome fictício], afirmou que já tinha interesse em fazer parte do curso e que o projeto a motiva ser mais independente. “É um meio para sermos independentes. A gente pode montar o próprio negócio. Aqui, a gente aprende mais, se desenvolve mais, conhece outras mulheres. Vamos sair daqui já prontas para o mercado de trabalho”, declarou.

Para Glória, o projeto surgiu para transformar sua história e a de todas as mulheres participantes. “É algo que a gente sonha. Mesmo quando estamos passando por lutas, aqui é diferente. Para mim, foi ótimo”, concluiu.

Sobre o projeto

Lançado em 7 de agosto deste ano, o “Cuida, Maninha! Teu recomeço é agora” tem o objetivo de fortalecer a autonomia feminina por meio de cursos profissionalizantes que gerem novas oportunidades de renda. Entre as formações ofertadas estão: horticultora orgânica, confeiteira, costureira de máquina reta e overloque, cuidadora infantil, masseira, maquiadora e camareira em meios de hospedagem.

A parceria entre a Defensoria Pública e o Ieptec viabiliza a oferta dos cursos e garante assistência estudantil para facilitar a permanência das alunas durante toda a formação.

O projeto é desenvolvido pelo Nudem da DPE/AC e integra também a programação da Operação Shamar 2025, ação nacional articulada pelo Conselho Nacional das Defensoras e Defensores Públicos-Gerais (Condege).

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