A resposta pode chocar e Marco Aurélio Guilherme Flores explica
Durante muito tempo, acreditou-se que a esposa ou companheira sobrevivia não apenas ao luto, mas também com segurança jurídica sobre o patrimônio construído ao longo da vida em comum. No entanto, o que poucos sabem é que, apesar de ser meeira, a viúva deixou de ser herdeira prioritária sobre metade do patrimônio do falecido. E o cenário pode piorar.
A mudança veio com o Código Civil de 2002 (Lei nº 10.406/02) e pode se tornar ainda mais dura caso avance o PL 04/25, que propõe uma ampla reforma na legislação civil. O argumento? Proteger bens familiares de relações consideradas “recentes”. Na prática, porém, o efeito recai quase sempre sobre quem mais renunciou: a mulher.
A lei afirma, no artigo 1.845, que são herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge. Mas, na ordem da sucessão, a lógica revela outra hierarquia: primeiro os filhos, depois os pais e só então a esposa ou companheira. A pergunta inevitável é: por quê?
A justificativa encontra respaldo na Constituição Federal de 1988, que consagrou, no artigo 5º, inciso I, que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações”. Contudo, trata-se de uma igualdade formal, aquela que existe no papel e que o Estado se compromete a preservar juridicamente. Na vida real, essa igualdade simplesmente não se sustenta.
Materialmente, homens e mulheres não partem do mesmo ponto. Não possuem as mesmas oportunidades, não exercem as mesmas funções, não acumulam o mesmo patrimônio, nem fazem as mesmas renúncias familiares e profissionais. Ainda assim, o Código Civil presume uma simetria inexistente e, sob esse raciocínio, retira da mulher a condição de herdeira necessária prioritária, sustentando a ideia de que “o que é da família deve permanecer na família”.
O paradoxo se aprofunda quando o falecido não deixa filhos. Mesmo assim, os bens seguem para os pais. Somente na ausência total de herdeiros consanguíneos é que a herança, finalmente, chega à viúva ou companheira, conforme estabelece o artigo 1.829 do Código Civil, que define a ordem da vocação hereditária.
A sucessão legítima obedece a esta sequência descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente (com exceções conforme o regime de bens), ascendentes , também em concorrência com o cônjuge; cônjuge sobrevivente, colaterais como irmãos e parentes próximos.
O Supremo Tribunal Federal tentou corrigir parte dessa distorção ao decidir, nos Recursos Extraordinários 646.721 (Tema 498) e 878.694 (Tema 809), que casamento e união estável devem receber o mesmo tratamento sucessório, equiparando cônjuges e companheiros em direitos. Foi uma decisão de viés jusrealista, alinhada à realidade social.
Ainda assim, o futuro preocupa. A eventual aprovação do PL 04/25 tende a endurecer ainda mais o sistema sucessório, aprofundando desigualdades sob o pretexto de proteção patrimonial.
A pergunta que fica não é apenas jurídica, mas social: quem o Direito escolhe proteger quando o luto começa?
Aguardemos os próximos capítulos.

