quinta-feira, 4 dezembro 2025

A ‘OAB da Medicina’: por que EUA, Canadá e Reino Unido exigem exames e o Brasil ainda não

Por Adriano Gonçalves, para a Folha do Acre

Para compreender o impacto da medida, a Folha do Acre comparou o modelo proposto no Brasil com os sistemas de avaliação profissional dos Estados Unidos, Canadá e Reino Unido — três referências globais em rigor educacional e regulação médica.

Estados Unidos: o USMLE, a prova que ninguém escapa

Nos EUA, não existe médico sem aprovação no USMLE (United States Medical Licensing Examination). A avaliação é dividida em etapas que testam desde conhecimento científico até habilidades práticas e raciocínio clínico em simulações realistas.

Características do modelo norte-americano:
• prova padronizada nacionalmente;
• alto custo de preparação, que pode ultrapassar US$ 10 mil;
• reprovações frequentes, inclusive entre formados em boas escolas;
• alto impacto emocional e financeiro para os estudantes.

Resultado: médicos aprovados saem com forte domínio técnico, mas o modelo é criticado por fomentar ansiedade extrema e pressionar financeiramente estudantes de baixa renda.

Canadá: duas provas, padrão elevadíssimo e foco em competências

O Canadá exige aprovação em duas avaliações principais: o MCCQE Part I e II. Parte do exame usa pacientes padronizados e estações práticas que simulam consultas, urgências e decisões éticas.

Diferenciais do Canadá:
• avaliação altamente prática;
• forte integração entre universidades e conselhos médicos;
• reprovação de candidatos formados no exterior supera 50%.

O sistema é visto como uma das seleções mais exigentes do mundo, com ênfase clara em comunicação clínica, ética e segurança do paciente.

Reino Unido: o PLAB e a nova geração de exames nacionais

O Reino Unido utiliza o PLAB (Professional and Linguistic Assessments Board) para médicos formados fora do país e está implementando um novo exame nacional, o MLA (Medical Licensing Assessment), que será obrigatório para todos os graduados.

Pontos de destaque:
• alinhamento direto com padrões do NHS;
• foco no atendimento seguro e eficiente;
• modelo progressivamente universalizado para garantir equidade.

O Reino Unido aposta em distribuir a responsabilidade entre universidades, governo e órgãos reguladores — e não apenas no candidato.

Onde o Brasil entra nesse cenário

Com 380 faculdades de Medicina — a maioria privadas —, o Brasil possui mais cursos que China, EUA e Canadá somados. A velocidade de abertura tem levantado alertas sobre infraestrutura inadequada, estágios insuficientes e disparidades curriculares profundas entre escolas.

A criação de uma prova nacional pode:
• estabelecer um piso mínimo de competência técnica;
• pressionar instituições deficitárias a melhorar;
• fornecer um indicador público de qualidade do ensino médico.

Mas também pode:
• transferir ao aluno o ônus das falhas institucionais;
• aumentar desigualdades entre estudantes de diferentes perfis socioeconômicos;
• gerar uma corrida por cursinhos milionários, como ocorreu nos EUA.

O que dizem os especialistas

A Folha do Acre ouviu três especialistas para entender como o Brasil deve se preparar (entrevistas produzidas na edição anterior):

• O Conselho Federal de Medicina defende o exame como garantia mínima de segurança ao paciente.
• Educadores alertam: sem reforma profunda do ensino, a prova vira “paliativo elegante”.
• As instituições privadas pedem transição gradual e regulação rígida do MEC para evitar injustiças.

O que está em jogo — e por que este debate não é corporativista, mas civilizatório

No centro da disputa está a pergunta decisiva: o Brasil quer quantidade ou qualidade na formação médica?

Sem critérios claros de proficiência, o risco é entregar à população profissionais sem preparo adequado para lidar com diagnósticos complexos, urgências, procedimentos e decisões éticas que literalmente definem vidas.

Por outro lado, sem políticas de equidade educacional, avaliações nacionais podem aprofundar a desigualdade e penalizar justamente os alunos que mais lutam para se formar.

O desafio é equilibrar rigor técnico com justiça social — e isso exige muito mais que uma prova. Exige projeto de país.

Próximos passos na Câmara

Agora nas mãos da Câmara dos Deputados, o tema deve se tornar um dos debates mais intensos da área da saúde em 2025. Caso aprovado sem alterações, o exame ainda precisará ser regulamentado: formato, prazos, competências avaliadas e implementação.

O Brasil entra, enfim, no jogo dos países que cobram excelência de seus médicos.
A questão é: estamos prontos para jogar no mesmo nível?

Publicidade