terça-feira, 11 novembro 2025

“Vou ter que me prostituir para sobreviver?”, desabafa moradora do Papouco sobre plano de remoção da prefeitura

Por André Gonzaga, da Folha do Acre

Comunidade pede melhorias no bairro e contesta reassentamento a 12 km de distância, previsto pelo programa 1001 Dignidades

“Vou ter que me prostituir para sobreviver?”: a pergunta feita por Maria Souza, moradora do Papouco e microempreendedora há mais de duas décadas, marcou a audiência pública realizada nesta segunda-feira (10/11), na Câmara Municipal de Rio Branco. Ela e outros residentes contestam o plano da prefeitura de transferir cerca de 70 famílias da área, considerada de risco geológico, para o bairro Rosa Linda, situado a aproximadamente 12 quilômetros dali.

A proposta integra o programa habitacional 1001 Dignidades, vinculado ao Minha Casa, Minha Vida. Embora o município tenha anunciado etapas do cronograma e iniciado o credenciamento dos beneficiários, moradores afirmam que ainda não receberam informações claras sobre os critérios de seleção nem sobre o calendário de mudanças. Sem garantias concretas, parte da comunidade resiste à retirada e reivindica respeito às suas histórias e vínculos com o território.

Durante a audiência, lideranças locais e representantes da população destacaram que o Papouco não é uma área degradada, como tem sido retratada em discursos oficiais. “Ali não é terra de drogado. É terra de gente, de famílias que vivem ali há mais de 40 anos”, afirmou o vereador Fábio Araújo (MDB), autor da proposta de debate. Ele relatou que sua primeira ação como parlamentar foi visitar o bairro e cobrar intervenções, como escadarias e retirada de lixo, que só foram realizadas às vésperas da eleição.

A União Municipal das Associações de Moradores de Rio Branco (Umarb) também se manifestou. O diretor de urbanismo da entidade, Francisco Erimar da Silva, declarou que a organização não se opõe à relocação, mas critica a forma como está sendo conduzida. “Se forem levados para bairros distantes, sem estrutura, podemos colocar essas pessoas em risco. É preciso enxergar essas famílias como cidadãos, não como números em um cadastro”, disse.

Moradora há 14 anos, Gleiciane reforçou que o bairro tem vida própria. “Tem salão, ótica, pensão, tem cultura. Nunca vi uma casa cair. As casas são simples, mas são de gente que trabalha. Se nos colocarem no Rosa Linda, o que vai ser da nossa vida?”, questionou. Ela também lamentou o abandono de espaços públicos e a ausência de lazer para as crianças. “Só aparecem aqui em época de eleição”, afirmou.

Durante a audiência, lideranças locais e representantes da população destacaram que o Papouco não é uma área degradada/Foto: Dell Pinheiro/Notícias da Hora

Além da distância, os moradores apontam que a mudança pode comprometer seus meios de sustento. Maria Souza teme perder os clientes da ótica que mantém no bairro. “Sem meu trabalho, como vou viver?”, disse. Ela também relatou ter assinado um documento sem saber que estava consentindo com a saída de sua casa, pela qual pagou R$ 15 mil.

O programa 1001 Dignidades está sob investigação do Ministério Público do Acre (MPAC), que apura se os conjuntos residenciais em construção seguem normas de urbanismo e proteção ambiental. A análise envolve cinco bairros da capital e está sob responsabilidade da Promotoria de Justiça Especializada em Habitação e Urbanismo.

O MPAC já recomendou que nenhuma família seja retirada sem escuta ativa, planejamento e garantia de moradia adequada. Enquanto isso, cerca de 160 pessoas continuam vivendo em condições precárias no Papouco, conforme dados da própria Secretaria Municipal de Assistência Social e Direitos Humanos (SEASDH). A comunidade pede que, em vez de remoção, sejam feitas melhorias no local, como encanamento adequado, área de lazer e posto de saúde.

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