Ser amada, valorizada, protegida e respeitada é um dos pilares essenciais do bem-estar e da segurança emocional que uma mulher deseja. Quando essas necessidades são atendidas, ela se torna mais segura, confiante e capaz de florescer.
Muito se diz que uma das bases do amor é o carinho, o cuidado e o respeito, ações que evitam que a outra pessoa seja machucada. Mas e quando esses suportes são quebrados?
De acordo com dados do Conselho Nacional de Justiça, do Painel de Violência Contra a Mulher, (DataJud – Base Nacional de Dados do Poder Judiciário), o estado do Acre registrou 4.174 novos casos de violência doméstica entre janeiro e agosto deste ano, dos quais 3.337 foram julgados. Esses números aumentam quando se considera a divisão por tipo de crime, totalizando 5.309 registros, sendo: 2.805 de violência contra a mulher; 1.741 contra a mulher; 331 de violência psicológica; 236 de descumprimento de medida protetiva de urgência e 196 lesão cometida em razão da condição de mulher.
Esses índices eram ainda maiores em 2024, no mesmo período, quando foram registrados cerca de 5.909 casos, com 6.544 julgados. Ao considerar a divisão por tipo, o total chega a 6.712 registros, sendo: 3.606 de violência contra a mulher; 2.249 contra a mulher; 319 de violência psicológica; 259 de descumprimento de medida protetiva de urgência e 279 de lesão cometida em razão da condição de mulher. Nos últimos seis anos, o Acre somou cerca de 28.834 casos de violência doméstica.
Joana, de 39 anos, [nome fictício, idade real], é uma dessas mulheres, que lutaram por não aguentar mais a violência dentro de seu próprio lar, durante os sete anos de casamento. Segundo ela, as agressões eram constantes. “Eu apanhava e ficava quieta no meu canto. Todo mundo dava conselho: ‘Menina, vai na delegacia, dá parte dele’. E eu falava que não tinha coragem. Um dia perdi a paciência e disse: ‘Agora eu vou meter o pé e vou na delegacia. Tô nem aí pra ele. Quiser me matar, me mata. Quiser me fazer qualquer coisa, pode fazer’”, relatou.
Além das agressões físicas, Joana contou que seu ex-parceiro a insultava com palavras duras e ofensivas. “Ele me chamava de obesa, dizia que eu era feia, não andava comigo. Eu peguei trauma. Aí eu falei: ‘A partir de hoje eu vou seguir minha vida, eu vou me arrumar’. Assim, eu passei sete anos casada”, contou.
Por outro lado, Judite, de 49 anos, [nome fictício, idade real], relatou que sofria agressões psicológicas por parte do ex-marido. Ela contou que só não apanhava porque corria e se ocupava com uma roupa, louça ou qualquer outro afazer doméstico, mas as agressões verbais eram constantes. “Eu não vivia na peia porque não esperava. Sempre quando começava uma discussão eu pulava embaixo [área de serviço]. Foram 28 anos nessa situação. Agressões verbais, humilhação, esculhambação. Ele não queria que eu estudasse. Para ele eu não ia trabalhar, ia ficar com ‘machos’. Essas coisas bem vulgares mesmo. Então, fui cansando”, disse ela. “O pico foi quando meu filho disse que ia fugir de casa, que preferia morar na rua do que viver aquela vida. Ele cresceu vendo aquilo tudo”, completou.
Mesmo diante das dificuldades ao longo de 28 anos de casamento, Judite não desistiu de seus sonhos. Ela continuou trabalhando e estudando, e hoje atua como professora do Atendimento Educacional Especializado com Deficiência. “Por mais que ele xingasse, eu nunca abandonei o estudo nem o trabalho. A raiva dele era essa. Que eu não me abandonava. Eu ia e ele ficava com raiva. Fiz faculdade e me formei. Foi bem difícil, mas não desisti”, afirmou.
Para que Joana, Judite e tantas outras mulheres sejam resguardadas, assistidas e recebam todo o suporte necessário, existem as medidas protetivas, que vão além do simples cumprimento de ordens judiciais, garantindo o afastamento e evitando qualquer contato entre agressor e vítima. O descumprimento dessa medida é considerado crime, com pena de detenção de três meses a dois anos, conforme a Lei nº 13.641/2018.
Segundo a promotora de Justiça do Ministério Público do Acre (MPAC), Dra. Dulce Helena, quando o agressor descumpre uma medida protetiva, o MPAC pode requerer a prisão preventiva, com base no art. 313, III, do CPP e art. 20 da Lei Maria da Penha, ou ainda o uso de tornozeleira eletrônica, além de representar pela responsabilização penal específica, crime cuja pena varia de dois a cinco anos de reclusão, além de multa.
Ela ressalta que um dos maiores desafios enfrentados pelo MPAC é a fiscalização efetiva das medidas protetivas, especialmente diante da limitação estrutural dos órgãos de segurança e da rede de proteção.
“Em muitas localidades do interior, há déficit de efetivo policial, ausência de Delegacias Especializadas e dificuldade de comunicação rápida entre os órgãos que compõem a rede, o que impacta diretamente no acompanhamento tempestivo das medidas”, explicou Helena. “Outro ponto sensível é a subnotificação de descumprimentos, já que muitas vítimas não comunicam imediatamente as violações por medo ou por falta de canais acessíveis”, completou.
Além das providências jurídicas, há também o trabalho da Patrulha Maria da Penha, presente em Rio Branco e em alguns municípios-polo, responsável pela fiscalização direta e pelo acompanhamento das vítimas e agressores monitorados eletronicamente pelo Instituto de Administração Penitenciária (Iapen).
A comandante da Patrulha Maria da Penha, tenente-coronel Cristiane Soares, relatou que as equipes realizam visitas periódicas às vítimas, verificando se as determinações judiciais estão sendo cumpridas e se a mulher está em situação de segurança. Essas visitas também se tornam um momento de escuta, acolhimento e orientação.
“O maior desafio, sem dúvida, é lidar com a reincidência dos agressores e a dependência emocional ou financeira das vítimas, que muitas vezes as fazem voltar para o ciclo de violência”, relatou Cristiane.
“Outro ponto é o número reduzido de efetivo diante da alta demanda de casos, o que exige um esforço constante de priorização e sensibilidade por parte das equipes. Quando há descumprimento da medida protetiva, a Patrulha Maria da Penha atua de forma imediata. O agressor é conduzido à delegacia por violar ordem judicial, e a vítima recebe acompanhamento reforçado”, completou.
Segundo o DataJud, entre janeiro e agosto deste ano foram registradas 3.322 medidas protetivas, sendo 2.246 (94%) concedidas, 131 (6%) negadas, 295 revogadas e 648 prorrogadas — uma diferença de 1.073 casos em relação ao mesmo período de 2024, quando houve 4.395 registros. Nos últimos seis anos, o total chega a 19.941 medidas protetivas.
Desde 2021, Joana possui uma medida protetiva de urgência. Ela compartilhou suas dores e cicatrizes e afirmou sentir-se segura com a medida. “Eu pedi a medida porque não aguentava mais. Já sofri muito na mão de homem. Eu não quero mais sofrer. Ele fez esse buraco aqui na minha testa, quebrou meu dente. Eu peguei trauma de homem. Tenho medo de me machucar, me humilhar”, desabafou.
Com esperança de recomeçar, Joana contou que, em 2024, se inscreveu no programa Minha Casa, Minha Vida, referente às 500 unidades habitacionais do Loteamento Cidade do Povo, em Rio Branco, e comemorou ao ver seu nome na lista dos selecionados. “Eu fiquei tão alegre. Falei: ‘Muito obrigada, Senhor. O Senhor está vendo a minha luta, a minha força’. Porque eu não estou mais aguentando, não, pagar 11 anos de aluguel. O dinheiro vai e não volta mais. E o meu dinheiro dá só pra pagar o aluguel e a luz”, relatou.
Já Judite, que solicitou a medida protetiva há quatro meses, contou que, mesmo com a ordem judicial, o ex-companheiro ainda tenta manter contato, ligando, enviando mensagens e chegando a ir ao seu local de trabalho. “Medo. O que me levou a pedir a medida protetiva e ir até a delegacia foi o medo. Medo do que eu passei dentro de casa. Ele me mandava ir embora porque eu tinha um emprego e podia pagar aluguel”, declarou.
Como forma de incentivo, ela deixa um conselho para outras mulheres que sofrem qualquer tipo de violência, seja psicológica, física, sexual, patrimonial ou moral. “Busque ajuda. Se informe. Converse com outras mulheres. Às vezes, a própria família não apoia você. Minha mãe não me apoiou, mas uma irmã minha me apoiou. Então, busque a Justiça. Se informe, porque quando a gente se informa, a mente abre. O medo não deixa a gente ir. Eu tinha muito medo. E Deus me deu força”, concluiu.
Como pedir ajuda no Acre
- Central de Atendimento à Mulher – 180
- Polícia Militar -190
- Secretaria de Estado da Mulher (Semulher): recebe denúncias de violações de direitos da mulher no Acre. Telefone: (68) 99930-0420. Endereço: Travessa João XXIII, 1137, Village Wilde Maciel;
- Centro Especializado de Atendimento à Mulher do Juruá – (68) 99947 9670
- Centro Especializado de Atendimento à Mulher do Alto Acre – (68) 99930 0383
- Centro Especializado de Atendimento à Mulher do Purus – (68) 99913 6110
- Delegacias especializadas no atendimento de crianças ou de mulheres ou qualquer unidade da Polícia Civil
- Centro de Atendimento à Vítima – (68) 99993-4701

