quinta-feira, 30 outubro 2025

GLO: quando o Exército desce o morro e a Constituição entra em campo

Por Adriano Gonçalves, colunista da Folha do Acre

No tabuleiro da segurança pública, o Rio de Janeiro é uma peça que nunca para. Entre operações policiais, confrontos e manchetes diárias, uma sigla volta e meia reaparece nas conversas: GLO, a famosa Garantia da Lei e da Ordem. Mas o que, afinal, significa isso — e por que todo mundo anda falando nela de novo?

O que é a GLO e por que ela causa tanto burburinho

A GLO é como aquele botão de emergência que o governo aciona quando a polícia já fez de tudo e ainda assim o caos não se resolve. Prevista no artigo 142 da Constituição Federal, ela permite que as Forças Armadas — Exército, Marinha e Aeronáutica — saiam dos quartéis para ajudar a garantir a segurança, mas só em situações excepcionais e por tempo limitado.

É uma espécie de “força-tarefa constitucional”. O presidente da República precisa autorizar, e as tropas passam a agir para restabelecer a ordem onde o Estado parece ter perdido o controle.

O caso do Rio: mar, morro e miras cruzadas

Nos últimos meses, a GLO voltou ao noticiário porque o governo federal determinou a presença das Forças Armadas nos portos e aeroportos do Rio de Janeiro e de São Paulo, numa ofensiva contra o crime organizado. O foco: impedir o tráfico de drogas e armas que entra e sai pelo litoral fluminense.

Segundo dados oficiais, só entre o fim de 2023 e meados de 2024 foram mais de 170 toneladas de drogas apreendidas, 280 armas retiradas de circulação e mais de 3 mil prisões. Números que impressionam — mas também levantam debates.

Enquanto o governo estadual pede uma ação mais ampla, o federal alega que não houve solicitação formal de GLO total. E no meio desse vai e vem, a população continua com medo, observando o movimento de tanques e helicópteros sobre a Baía de Guanabara.

O lado bom, o lado tenso

Os defensores da GLO dizem que ela é eficaz para mostrar força contra o crime, especialmente em áreas estratégicas. Afinal, portos e aeroportos são as artérias do tráfico internacional — e controlá-las é atingir o coração do problema.

Mas os críticos lembram que as Forças Armadas não são polícia. Sua função é proteger a soberania, não fazer patrulha em becos e vielas. E alertam: quanto mais se normaliza a presença de soldados nas ruas, mais se borra a linha entre segurança pública e militarização da vida cotidiana.

Entre fuzis e fardas, a Constituição observa

A GLO é, por natureza, excepcional. Não deve ser rotina, nem substituto de políticas públicas de longo prazo. O próprio nome — Garantia da Lei e da Ordem — já lembra que sua função é restaurar o equilíbrio, não ocupar permanentemente o espaço civil.

No fim das contas, a operação no Rio mostra que o desafio da segurança vai muito além do confronto armado. O problema está nas fronteiras, na desigualdade, na falta de estrutura e, principalmente, na dificuldade histórica de coordenação entre governos.

Fechando o jogo

A GLO é como aquele apito do juiz que interrompe o caos quando o jogo sai do controle. Funciona, sim — mas não pode ser o único recurso do time. O Rio precisa de mais que tanques e uniformes. Precisa de planejamento, inteligência e diálogo entre esferas de poder.

Porque, no fim das contas, quem mora no tabuleiro não é o Estado — é o cidadão.

Adriano Gonçalves é colunista da Folha do Acre. Escreve sobre política, justiça e sociedade com olhar crítico e linguagem acessível.

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