Em busca de melhor qualidade de vida e de uma boa saúde, Bruno Ricardo de Alencar Menezes, 37 anos, motorista de Vista Alegre do Abunã (RO), encontrou na cirurgia bariátrica a oportunidade de transformar sua rotina. Antes do procedimento, ele enfrentava hipertensão, apneia do sono grau 3, ácido úrico alto e dores articulares que dificultavam até atividades simples do dia a dia. “Hoje, com cinco meses de pós-operatório e 38 quilos a menos, posso dizer que minha vida é totalmente diferente. É como uma segunda chance de viver”, relatou.
Os casos de Bruno refletem uma realidade crescente no país. Dados divulgados pelo Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN), do Ministério da Saúde, em 2024 mostram que, entre os 26.248.805 pessoas avaliadas no Brasil, o Acre contava com 104.655 indivíduos, sendo 2.162 com baixo peso, 34.744 com peso adequado, 36.931 com sobrepeso, 20.404 com obesidade grau I, 7.169 com obesidade grau II e 3.245 com obesidade grau III. Esses números evidenciam a importância de programas como o do estado, que oferecem tratamento e acompanhamento especializado para quem enfrenta a obesidade.
Bruno Ricardo passou por uma cirurgia bariátrica em abril deste ano, por meio do Programa de Obesidade, promovido pelo governo do Acre e idealizado pela Secretaria de Estado de Saúde (Sesacre), realizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) na Fundação Hospitalar Governador Flaviano Melo (Fundhacre). Pesando 198 quilos, ele relatou que, antes da cirurgia, evitava ambientes com muitas pessoas, pois o calor e o suor excessivo o incomodavam muito. “Eu tinha vergonha, não gostava nem de conversar. Além disso, sentia muitas dores nas pernas, nas juntas e tinha líquido no coração”.
Bruno destacou que, apesar de o processo ter levado quase três anos e meio, incluindo 45 dias de internação por causa da pressão alta, o esforço valeu a pena.
“O acompanhamento médico foi excelente, desde a marcação de consultas até os cuidados no pós-operatório. Nunca tive complicações, só senti dificuldade nos primeiros dias por causa da dieta líquida. Mas se fosse preciso, faria tudo de novo. Hoje tenho mais disposição, caminho, pesco, fico com minha família e até minha relação com as pessoas mudou. Minha autoestima também. Agora estou com 140 quilos. É outra vida”, comemorou.
A cirurgia bariátrica vai muito além da estética. De acordo com a Dra. Cely Bussons, cirurgiã do aparelho digestivo e integrante do programa, o procedimento é uma ferramenta fundamental no tratamento da obesidade e sua indicação é definida a partir do Índice de Massa Corporal (IMC).
“Pacientes com IMC a partir de 30, associados ao diabetes, já podem ser submetidos à cirurgia metabólica, que melhora o controle da insulina. Com IMC a partir de 35 e presença de comorbidades, como pressão alta, diabetes ou doenças articulares, também há indicação. Já os pacientes com IMC acima de 40 podem ser operados mesmo sem comorbidades”, detalhou.
Sobre os riscos, a especialista ressalta que, embora existam complicações possíveis, como sangramento e fístulas, a tecnologia e as técnicas minimamente invasivas tornaram o procedimento cada vez mais seguro.
“A curva de aprendizado dos cirurgiões, aliada ao avanço dos instrumentais e ao fato de ser feito por videolaparoscopia, reduziram bastante os riscos. Os benefícios superam os riscos, já que a cirurgia proporciona não apenas perda de peso, mas melhora da qualidade de vida, das doenças associadas e da autoestima do paciente”, destacou a médica.
Já o cirurgião Romeu Delilo, responsável pelas operações na Fundhacre, detalhou os critérios de indicação e os benefícios do procedimento. “Pacientes com obesidade grau 1 ou 2, associados a comorbidades como pressão alta, diabetes, artrose, gordura no fígado, apneia do sono e outras doenças, têm indicação de cirurgia. Já quem possui obesidade grau 3 não precisa de comorbidades para ter indicação, pois é considerada obesidade grave”.
Ele explicou ainda a faixa etária e o preparo necessário. “Hoje pacientes a partir de 16 anos podem fazer a cirurgia, desde que atendam aos critérios. É fundamental que tenham tentado tratamento clínico por pelo menos dois anos. Motivação, ausência de doenças descompensadas e entendimento das mudanças que a cirurgia impõe também são requisitos”, explicou.
O jornalista Alex Thomas, de 44 anos, também relatou sua experiência no programa de cirurgia bariátrica. Ele ingressou em novembro do ano passado e, após sete a nove meses de acompanhamento com exames e etapas pré-operatórias, explicou os motivos que o levaram à decisão. “Entrei no programa por conta da pressão alta. Tive um pico muito forte durante um voo e, ao chegar em Rio Branco, fui direto para o Pronto Socorro. O médico diagnosticou que eu estava prestes a ter um AVC ou um ataque cardíaco e me encaminhou para o programa. A pressão alta foi o ponto primordial para minha entrada”.
Quanto ao acompanhamento médico, Alex destacou que o processo é intenso, envolvendo nutricionista, psicólogo, cardiologista e também a realização de diversos exames, que podem ocupar o dia inteiro. Ele também comentou sobre os desafios enfrentados ao longo dessa jornada. “Os maiores desafios são as etapas com a psicóloga e nutricionista. É a base do processo, porque, querendo ou não, você precisa começar a mudar a cabeça para receber a cirurgia de forma adequada”.
Aldenira Araújo, de 46 anos, também compartilhou sua experiência positiva, após iniciar o processo da bariátrica há dois anos. “Antes, como cabeleireira, passava o dia em pé e o peso já me incomodava muito. Tinha dificuldade para levantar de manhã e dormir à noite, sofria de apneia do sono e estava com gordura no fígado, grau 3. Por isso decidi fazer a cirurgia”, contou.
Sobre os resultados, Aldenira relatou sua experiência após a cirurgia, realizada em junho deste ano, destacando a melhora na saúde e na qualidade de vida. “Estou com apenas dois meses de pós-operatório, mas já perdi 14 quilos, e isso fez muita diferença na minha vida. Até em pequenas tarefas do dia a dia, como cruzar as pernas ou pegar objetos, percebo a mudança. Também melhorei no sono, que antes era muito prejudicado”. Quanto ao acompanhamento médico, ela ressaltou a importância do processo, afirmando que “prepara você para lidar com tudo após a cirurgia”.
Já a paciente Patrícia de Lima Campos Valle, de 48 anos, está entre os que aguardam pela cirurgia. Com 106 quilos, ela enfrenta hipertensão e fibromialgia. Patrícia iniciou o processo em 2022, já realizou todos os exames necessários e aguarda apenas a apresentação do pré-operatório.
“Espero ter qualidade de vida, ver minha pressão baixar, poder cruzar as pernas e ter disposição para fazer pequenas coisas. É muito importante também para melhorar a autoestima, reduzir o bullying, a vergonha de não conseguir amarrar o sapato, além de diminuir gordura no fígado, colesterol e pressão arterial. Estou feliz por estar perto de realizar o sonho de viver sem doenças crônicas e com mais autoestima”, disse Patrícia.
O enfermeiro e coordenador do programa de obesidade e bariátrica da Fundação Hospitalar, Warcron Neves, explicou que o funcionamento do programa tem início na atenção básica, quando o paciente procura a Unidade de Referência em Atenção Primária (Urap) do seu município para tentar reduzir o peso com acompanhamento de médico, nutricionista e psicólogo. Caso não obtenha resultados após dois anos, é então encaminhado ao programa por meio do Sistema de Regulação (Sisreg).
“Após avaliação clínica, o paciente inicia um processo de preparação com fonoaudiólogo, nutricionista e psicólogo, seguido de consultas com endocrinologista, pneumologista, cardiologista e cirurgião bariátrico. Todo o processo dura em média dois anos para pacientes disciplinados. Atualmente temos cerca de 850 pacientes em preparação e uma fila de 45 a 50 pacientes para cirurgia, realizando em média 8 procedimentos por mês, totalizando cerca de 80 a 84 cirurgias anuais”, destacou o coordenador.
Segundo Warcron, o paciente pós-cirúrgico recebe acompanhamento por 18 meses com toda a equipe multiprofissional necessária. “Incluímos psicólogo, fonoaudiólogo, nutricionista, endocrinologista, nutrólogo, pneumologista, cardiologista e cirurgiões bariátricos. Há ainda encontros educativos mensais com palestras e depoimentos de pacientes pós-cirúrgicos para incentivar e esclarecer dúvidas”.
Ele acrescentou que o programa atende não apenas todo o estado do Acre, mas também pacientes de estados vizinhos, como Rondônia e Amazonas, além de países fronteiriços, como Bolívia e Peru.
Em nível nacional, o SUS realizou 6.393 cirurgias bariátricas de janeiro a junho de 2025, segundo o Datasus, reforçando a importância de programas estaduais como o do Acre, que garantem acesso a tratamentos especializados e acompanhamento contínuo para pacientes com obesidade.
O coordenador do programa ressaltou que o comprometimento do paciente é fundamental para o sucesso do tratamento. “O paciente precisa ser ativo e disciplinado. O sucesso depende não só da cirurgia, mas do acompanhamento contínuo e das mudanças de hábitos de vida. A equipe multiprofissional garante que os pacientes tenham orientação e suporte desde a preparação até a fase pós-operatória, promovendo resultados efetivos e melhoria da qualidade de vida”.
Sobre o Programa de Obesidade
Em funcionamento desde 2004, o programa tem como objetivo oferecer tratamento clínico e cirúrgico para obesidade grave, contando com uma equipe multiprofissional composta por psicólogos, nutricionistas, fonoaudiólogos, endocrinologistas, pneumologistas, cardiologistas, nutrólogos, psiquiatras e cirurgiões bariátricos.
Atualmente, os procedimentos são realizados por videolaparoscopia, com internação curta. Em geral, o paciente recebe alta em até três dias e pode retornar ao trabalho em cerca de 15 dias, desde que não haja restrições. Desde 2023, após a retomada no período pós-pandemia, as cirurgias vêm sendo realizadas semanalmente nas terças-feiras.
Em 2024, foram realizadas aproximadamente 57 cirurgias. Já neste ano, até o mês de agosto, o programa contabiliza 56 procedimentos, com a realização de duas cirurgias por semana, o que representa cerca de 10 por mês.
Além disso, o programa promove encontros mensais entre pacientes em fase de preparação e aqueles que já passaram pelo procedimento. Essas reuniões acontecem sempre na última semana de cada mês, com duração de cerca de 1h30, reunindo, em média, mais de 150 participantes.