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Memórias da repressão: estudantes acreanos enfrentaram a ditadura militar e deixaram legado de resistência

No Dia Nacional dos Estudantes, celebrado em 11 de agosto, é fundamental relembrar o papel decisivo que a juventude acadêmica teve na luta pela democracia no Brasil. No Acre, estado da região Norte pouco retratado nas narrativas nacionais, jovens estudantes foram vítimas diretas da repressão imposta pelo regime militar (1964–1985), enfrentando prisões, vigilância e ameaças para defender seus ideais e o direito à liberdade.

Pouco depois do golpe militar de 1964, um inquérito policial militar instaurado no Acre já identificava e prendia pessoas ligadas a movimentos sociais e estudantis, acusadas de comunismo. Entre abril e maio daquele ano, pelo menos seis líderes, incluindo professores e militantes das Ligas Camponesas, foram detidos, conforme registros do próprio Inquérito Policial Militar da época e depoimentos de ativistas como Ariosto Miguéis.

Destaque para Demóstenes Coelho de Moura, vereador e organizador de sindicatos rurais, e Lourival Messias do Nascimento, funcionário público ligado ao movimento estudantil, que foram encarcerados em quartéis militares sob a acusação de agitadores das massas estudantis e sindicais — informações extraídas de relatórios internos arquivados no Instituto Histórico do Acre. Em relatos posteriores, como os de Miguéis, fica claro que os interrogatórios ocorriam sob forte clima de intimidação, com instrumentos de tortura à mostra, revelando o ambiente opressor vivido pelos presos.

Essas ações de repressão aconteceram antes mesmo da renúncia do governador José Augusto de Araújo, em maio de 1964, evidenciando a rapidez com que o regime militar instaurou o controle no estado, conforme documentos públicos da época.

Nos anos seguintes, estudantes acreanos, especialmente aqueles ligados a movimentos sociais e sindicatos, passaram a ser monitorados de perto. Arquivos secretos do Serviço Nacional de Informações (SNI), disponibilizados pelo Arquivo Nacional, mostram que o aparato de inteligência do regime acompanhava de perto as atividades políticas dos jovens.

Na década de 1980, mesmo com a abertura política já em curso, esse controle persistia. Em 1983, a jovem Maria Osmarina da Silva — que mais tarde ganharia projeção nacional como Marina Silva — presidia a chapa “Avançar” na disputa pelo Diretório Central dos Estudantes da Universidade Federal do Acre. Relatórios confidenciais do SNI da época registram que a estudante foi alvo de rigorosa vigilância, com agentes infiltrados em reuniões e campanhas políticas, numa clara tentativa de neutralizar o movimento estudantil, segundo documentos encontrados no Arquivo Nacional.

Com o fim do regime e a Lei de Anistia, muitos ex-perseguidos recuperaram seus direitos políticos, mas o reconhecimento formal só avançou recentemente. Em 2025, a criação da Comissão Estadual de Verdade e Memória do Acre (CEVEME), fundamentada nas recomendações da Comissão Nacional da Verdade, passou a investigar as violações ocorridas no estado durante o regime militar, buscando esclarecer casos de prisão, tortura e cassação de direitos — conforme estabelecido no decreto estadual que instituiu a comissão.

Além disso, o Ministério Público Federal, em recomendação publicada em 2023, solicitou que o Acre revisasse nomes de espaços públicos ligados a figuras da ditadura, reforçando o compromisso local com o reconhecimento histórico das vítimas do regime.

Até agosto de 2023, a Universidade Federal do Acre (UFAC) mantinha homenagens oficiais a diversas figuras ligadas ao regime militar brasileiro (1964–1985). Entre os homenageados estavam governadores biônicos, ministros e militares que ocuparam cargos durante a ditadura, como o general Ernesto Geisel, o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra e o ex-reitor Áulio Gélio Alves de Souza, que chegou a dar seu próprio nome ao campus da universidade. Essas homenagens se traduziam na nomeação de blocos acadêmicos, laboratórios e prédios em reconhecimento a essas personalidades, cujos nomes permaneceram por décadas.  

Embora o Acre não registre oficialmente casos de desaparecimento ou assassinato de estudantes no período, os relatos de prisões, torturas e vigilância deixam marcas profundas que a sociedade começa a reconhecer e valorizar.

Neste Dia Nacional dos Estudantes, lembrar a história desses jovens acreanos perseguidos pela ditadura é essencial para reafirmar o valor da resistência e o papel transformador da juventude na construção da democracia.

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