O projeto, que utiliza nanotecnologia, será apresentado na prévia da COP30, que acontece em Belém (PA)
Já imaginou usar um curativo que além de auxiliar na proteção de ferimentos, também protege o meio ambiente, sendo absorvido pela pele em questão de segundos? Estudantes do Instituto Federal do Acre (Ifac), do campus Sena Madureira, em conjunto com o professor de Química, Marcelo Ramon, desenvolveram os “Curativos Biodegradáveis Nanotecnológicos”. O projeto está entre os selecionados que irão representar o Ifac na prévia da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 (COP30), que será realizada em Belém (PA).
O produto, que tem formato arredondado e é transparente, foi feito a partir da taboca, uma espécie de bambu amazônico, que muitas vezes é considerado uma praga para a agricultura e pecuária por conter espinhos. O curativo, que foi desenvolvido a partir de nanotecnologia, em contato com a água ou composições aquosas, se dissolve em poucos segundos, formando um gel que é absorvido pela pele.
Além disso, por ser feito com produtos naturais, sem quaisquer materiais plásticos derivados de petróleo, como no caso de bandagens que são comercializadas em farmácias, o curativo biodegradável criado pelo Ifac conta ainda com nanopartículas de prata, que atuam como bactericida, e nanoemulsões de óleos de copaíba e andiroba, conhecidos por suas propriedades anti-inflamatórias, antissépticas e antimicrobianas. “É um produto 100% natural, 100% biodegradável, com nanotecnologia e feito a partir de um material presente em nossa região Amazônica”, afirma o professor Marcelo Ramon.
Confira abaixo o processo de produção do Curativo Biodegradável Nanotecnológico, descrito pelo docente Marcelo Ramon:
Passo 1: Retirada da taboca presente nas regiões de Floresta Amazônica
“O primeiro passo é ir até a floresta para coletar a taboca, que é uma espécie de bambu mais fino e espinhento. Diferente do bambu gigante, bastante utilizado em construções, por exemplo, a taboca muitas vezes é considerada uma praga pelos agricultores, não tendo tanta utilidade”.
Passo 2: Transformação da taboca, através de processos químicos, em carboximetilcelulose para produção de gel
“Após a coleta, fazemos um processo com várias etapas químicas até que a taboca se transforme em um pó branco bastante fino, chamado de carboximetilcelulose (CMC). Esse material, ao entrar em contato com a água, se transforma em um gel que, inclusive, já pode ser utilizado como uma espécie de pomada para ser aplicada em feridas na pele. Essa aplicabilidade é possível, pois o CMC é, por si só, um agente regeneralizante, que auxilia na cicatrização de tecidos”.
Passo 3: Adição de nanoemulsões de copaíba e andiroba, e nanopartículas de prata
“Após a transformação em gel, é feita a inserção de alguns aditivos: nanoemulsões essenciais de óleo de copaíba e andiroba, que anti-inflamatórias, antissépticas e antimicrobianas, e nanopartículas de prata, que têm efeito bactericida. Quando transformamos esses óleos em nanoemulsões, ou seja, mínimas gotículas de copaíba e andiroba, conseguimos potencializar os efeitos dessas duas substâncias”.
Passo 4: Desidratação do CMC aditivado e formação do curativo biodegradável
“A etapa seguinte constituiu em pegar esse gel já produzido, colocar em plaquinhas de vidros redondas e inseri-las em estufas para desidratação, durante 24h a 40°C. Quando toda a água presente no gel evapora é formada uma película ao fundo da plaquinha de vidro. Ao retirarmos esse produto, com auxílio de bisturis, temos uma película transparente, que já pode ser utilizada como curativo”.
Passo 5: Aplicação na pele
“A CMC ao entrar em contato com alguma substância aquosa, seja a própria água, soro fisiológico, ou até mesmo sangue ou pus, como no caso de feridas mais recentes, ela irá dissolver e voltar a forma de gel, que será absorvido pela pele. No caso de feridas que já estão mais secas, por exemplo, o que fazemos é borrifar um pouco de soro fisiológico para que essa adesão seja feita pela pele”.
Nanotecnologia a nosso favor
A nanotecnologia é um campo científico que estuda e desenvolve soluções tecnológicas em escalas nanométricas, fazendo com que substâncias cheguem muito próximo a níveis moleculares e atômicos.
1 milímetro ÷ 1000 = 1 micrômetro
1 micrômetro ÷ 1000 = 1 nanômetro*
*O olho humano só enxerga até 300 micrômetros. Abaixo dessa medida a visualização só é possível por meio de microscópio.
De acordo com o professor Marcelo Ramon, o nanômetro é uma unidade de medida bastante próxima da estrutura de átomos e moléculas. Nesse tamanho, as matérias são potencializadas e desenvolvem todos os seus efeitos, e até mesmo novos efeitos que não possuem quando estão apresentadas em tamanhos maiores.
“Imagine que você tem um anel de prata: um objeto simples que está presente no nosso dia a dia, na ordem dos centímetros. Porém, se você pegar esse anel de prata e triturá-lo, até que ele fique muito pequeno, teremos nanopartículas de prata. Essa pequenina partícula de prata, na ordem nanométrica, além de conduzir corrente elétrica 1000 vezes mais do que quando está em tamanhos maiores, também passa a apresentar efeitos bactericidas. Ou seja, em sua forma minúscula, temos uma substância que será muito mais potente e eficaz. Toda matéria na ordem nanométrica desempenha funções extremamente potencializadas, chegando a apresentar até mesmo novas funções”, destaca o professor do Ifac.
É por meio da nanotecnologia que diversos produtos e materiais têm sido desenvolvidos nas áreas da medicina, cosmetologia, indústria de alimentos, computação e outras.
“Há 20 anos, quando comecei meu curso de Química, já se falava em televisões com telas planas e celulares com telas dobráveis. E apesar de ser da área, eu era um pouco desacreditado que essa tecnologia chegaria de forma tão rápida e em tão pouco tempo. Via imagens de laboratórios, protótipos, e achava aquilo muito fantasioso, que eram coisas que não dariam certo. Hoje temos esses equipamentos em nosso cotidiano e tudo isso graças à nanotecnologia. É uma ciência que tem revolucionado nossos dias, apresentando muito mais eficiência em espaços cada vez menores”, explica Ramon.
Marcelo Ramon, junto com o professor e engenheiro químico Fernando Escócio, que foi seu orientador no curso de Doutorado em Biodiversidade e Biotecnologia (Bionorte/Ufac), estão entre os pioneiros nos estudos da nanotecnologia no Acre. Durante os anos 2019 a 2023, no decorrer dos estudos para sua tese, Marcelo Ramon desenvolveu uma tecnologia para auxiliar no diagnóstico e tratamento de cânceres, a partir de nanopartículas extraídas da taboca, que submetidas a luz ultravioleta ficavam fluorescentes, contribuindo assim para uma identificação mais facilitada da doença.
A bagagem científica adquirida ao longo do doutorado tem refletido em novas produções. Junto ao Ifac, Marcelo Ramon tem levado os conhecimentos da nanotecnologia para sala de aula e em projetos científicos realizados com os estudantes do campus Sena Madureira. Exemplo disso, é o próprio curativo biodegradável nanotecnológico que já chegou a ser premiado em competições de empreendedorismo.
Além do professor, a equipe desenvolvedora do curativo biodegradável nanotecnológico conta também com a participação de cinco estudantes do campus Sena Madureira: Alini Silvino da Silva, Arquelio da Silva Coutinho e Maria Ivanieli Oliveira Nery, graduandos de Licenciatura em Física, além de Jordana Raica Batista de Mel e João Augusto Do Nascimento De Queiroz, que são discentes do 3º ano dos cursos técnicos em Informática e Agropecuária, respectivamente.