segunda-feira, 28 julho 2025

Marina Silva sobre risco de abuso sexual no seringal: ‘Esse medo atravessava nossas consciências’

Redação Folha do Acre

A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, lembrou o pânico que sentia quando homens muito mais velhos, que eram maioria no seringal onde morava com a família, em Breu Velho, no Acre, diziam a elas e às irmãs adolescentes que iriam se casar com elas. Em entrevista à jornalista Maria Fortuna no videocast ‘Conversa vai, conversa vem, no ar no perfil do Jornal OGLOBO no Youtube, ela revelou que o medo do abuso era uma constante e que sua mãe sempre conversava sobre o assunto. Veja trecho da entrevista.

A senhora vem de uma família matriarcal. Quem dava as ordens na casa era a sua mãe. Como foi quando descobriu que a toada do mundo era patriarcal?

Estranho. Vivíamos isolados, e eu sabia que outras famílias não eram como a nossa. Até porque, falavam do meu pai: “Pedro é mandado pela mulher”. Quando cheguei na cidade, vi o discurso de “mulher não pode fazer isso ou aquilo” em todos os lugares. O estranhamento contra as pessoas pretas… Minha mãe era branca, meu pai, preto. Eram apaixonados, e ela torcia para que nós fossemos pretos que nem o meu pai.

Como se forma o matriarcado? Não sei. É um processo, uma estrutura, uma linguagem. Meu pai brincava que a única vez em que desobedeceu minha mãe, não deu certo. Queria ir para Manaus e não deu. Aí, fomos para Belém, tivemos que voltar trazidos pelo nosso patrão. Ficamos endividados. E diziam: “Pedro nunca mais vai pagar essa conta e teve a infelicidade de só ter filha mulher”. Minha mãe chamou a gente e disse: “Vamos mostrar que vocês não são um problema na vida do seu pai, vocês vão aprender a cortar seringa”. Cada uma ia para uma estrada. Em dois anos, pagamos a conta, ainda tiramos saldo e viramos as moças mais famosas do seringal.

A maioria era de homens no seringal, com a senhora e as suas irmãs adolescentes. Existia o medo de um abuso iminente?

Esse medo atravessava o tempo todo as nossas consciências. Nossa mãe se preocupava muito, aconteceram alguns casos. Era assustador ouvir homens bem mais velhos dizendo “quando ela crescer, vou pedir em casamento”. Minha mãe dizia que, se ouvíssemos algum barulho ou alguém chamasse, não era para ir. Uma vez, foi engraçado… Meu pai sempre falava do canto do Uirapuru. Um dia, a gente escutou um assobio, e minha irmã perguntou: “Quem tá aí?”. Silêncio. Depois, começava de novo. Saímos correndo com medo. Contamos em casa e meu pai falou. “Correram com medo do Uirapuru”.

O Globo

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