segunda-feira, 16 junho 2025

“Virou um campo de guerra. Ninguém aqui é bandido”, diz filha de produtor após prisões na Resex Chico Mendes

Por Aikon Vitor, da Folha do Acre

“O que era pacífico virou um caos, virou um campo de guerra, né?” O desabafo é de Rose Ribeiro, moradora da Reserva Extrativista Chico Mendes, no interior do Acre. Ela se refere à manifestação realizada no domingo (15), que terminou com a prisão de três moradores pela Força Nacional e pelo Exército Brasileiro, em meio a protestos contra a retirada de gado ilegal da unidade de conservação.

Segundo Rose, entre os detidos está seu próprio irmão. “Está preso na Polícia Federal como se fosse bandido”, afirmou em um vídeo compartilhado nas redes sociais.

A manifestação, que inicialmente reunia famílias extrativistas e pequenos produtores em frente à base do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), em Xapuri, terminou com confronto e prisões. De acordo com nota do ICMBio, os detidos foram flagrados com galões de gasolina e destruindo cercas. Horas antes, uma ponte nas imediações havia sido incendiada.

As ações fazem parte da Operação Suçuarana, iniciada em 5 de junho pelo ICMBio com o objetivo de remover rebanhos criados de forma irregular na reserva. Mais de 300 cabeças de gado já foram apreendidas, e dois produtores — Josenildo de Souza e Gutierrez Rodrigues — tiveram propriedades vistoriadas e interditadas.
Segundo a gerente regional do ICMBio, Carla Lessa, a operação visa áreas com histórico de desmatamento e ocupações ilegais, onde houve diversas notificações ignoradas. Segundo o órgão, a ação tem caráter educativo, mas é executada com apoio de forças de segurança federal devido ao acirramento dos conflitos.

Para muitos moradores, no entanto, a operação é vista como repressiva. A retirada do gado representa não apenas perdas econômicas, mas o temor de expulsão definitiva. “Ali, numa manobra bem desesperada para tentar impedir que levasse o gado do Gutiérrez e do Zé [sic]”, disse Rose. “Os manifestantes, no ímpeto ali do sangue, do sangue quente, do cansaço, da exaustão,tentaram, a qualquer custo, impedir que levasse o gado dos produtores rurais de maneira covarde [sic]”

As famílias dos fazendeiros envolvidos afirmam viver há mais de uma década na Resex e contestam a forma como a operação vem sendo conduzida. O ICMBio afirma que Josenildo foi notificado e desobedeceu ordem judicial para deixar a área. Já Gutierrez, segundo a assessoria do instituto, ainda possui um recurso pendente no processo que tramita na Justiça Federal.

A PRF declarou que sua atuação restringiu-se às rodovias. Já a PF confirmou que os presos foram detidos por equipes da Força Nacional e do Exército.

A Reserva Extrativista Chico Mendes, conhecida como Resex Chico Mendes, é uma unidade de conservação federal de uso sustentável localizada no estado do Acre, na região Norte do Brasil. Criada em 1990, a reserva foi nomeada em homenagem ao líder seringueiro Chico Mendes, assassinado em 1988 por sua atuação em defesa da floresta e dos direitos das populações tradicionais da Amazônia.

Situada em uma área que abrange aproximadamente 931 mil hectares de floresta amazônica, a Resex Chico Mendes compreende territórios de vários municípios acreanos, como Xapuri, Assis Brasil, Brasiléia, Sena Madureira, Capixaba e Rio Branco. O principal objetivo dessa unidade de conservação é garantir a subsistência das populações tradicionais que vivem na região, por meio da extração sustentável de recursos naturais, como a borracha, a castanha e a madeira manejada de forma autorizada.

Estima-se que cerca de 10 mil pessoas, organizadas em mais de 40 comunidades, habitam a reserva. Essas famílias são compostas principalmente por seringueiros, extrativistas e pequenos agricultores que preservam seus modos de vida e sua cultura enquanto utilizam os recursos naturais de maneira racional e sustentável.

A Reserva Extrativista Chico Mendes tem como objetivo representar um modelo de conservação que busca conciliar a proteção ambiental com o direito dessas populações tradicionais de viverem e produzirem em seus territórios. Contudo, nos últimos anos, a área tem enfrentado desafios significativos, como a presença de criação de gado ilegal, desmatamento e conflitos fundiários entre moradores antigos e novos ocupantes.

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