Ligados aos saberes ancestrais, povos têm modos de vida ameaçados
Nas margens de rios, estuários e mares de todo o Brasil, milhares de famílias vivem em íntima relação com as águas. São os ribeirinhos, os extrativistas costeiros e os pescadores artesanais – comunidades tradicionais que há séculos preservam modos de vida baseados na sustentabilidade, no conhecimento ancestral e no respeito ao meio ambiente.
Ribeirinhos Essas comunidades, reconhecidas oficialmente como integrantes da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT), têm seu território, sua identidade cultural e seus saberes em risco diante de pressões como a especulação imobiliária, a exploração predatória de recursos naturais e os efeitos das mudanças climáticas.
Na quinta reportagem da série do Ministério Público Federal (MPF) sobre a valorização dos povos e comunidades tradicionais brasileiros, o foco está nos povos da água.
Território em risco
Os pescadores artesanais estão presentes em todos os biomas brasileiros. Vivem do mar, dos rios, dos igarapés, dos lagos e das lagoas, praticando a pesca em pequena escala com respeito aos ciclos da natureza. Além da pesca, essas comunidades exercem atividades complementares como o extrativismo, a agricultura de subsistência e a criação de animais. Organizam sua rotina conforme as marés, as chuvas e as cheias dos rios, manejando recursos naturais de forma sustentável, em contraste com a pesca industrial.
Mesmo em harmonia com o ambiente no qual vivem e do qual dependem, o uso do território para a pesca não é uma garantia. O pescador Wellington Freire, da comunidade ribeirinha Barra do Mamanguape (PB), reforça que o maior desafio hoje é manter os territórios tradicionais ante a especulação e a omissão de órgãos gestores. “Precisamos de políticas públicas que valorizem nossos pequenos negócios de pesca e turismo comunitário”, defende.
A comunidade já está registrada no aplicativo Tô no Mapa. A ferramenta, integrada à Plataforma de Territórios Tradicionais, gerida pelo MPF, pelo Conselho Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT) e pela Agência Alemã de Cooperação Internacional (GIZ), permite o cadastramento colaborativo dos territórios. O cadastro é um dos primeiros passos para que as comunidades sejam vistas pelo poder público e possam ter acesso ao Termo de Autorização de Uso Sustentável (Taus) – instrumento de regularização fundiária que pode ser utilizado pelas comunidades para garantir o direito ao território, proteger seus modos de vida e fortalecer a pesca artesanal.
Já os extrativistas costeiros e marinhos habitam áreas como as reservas extrativistas marinhas (resex marinhas). Nelas, realizam a coleta tradicional de mariscos, caranguejos e ostras, além de praticarem a pesca artesanal em “maretórios” — territórios que reúnem mar, rios, manguezais e outros ambientes de uso tradicional das comunidades pesqueiras.
Assim como os demais povos cujo modo de vida tem uma estreita ligação com o território no qual vivem, eles enfrentam muitas ameaças, como a pesca predatória, o turismo desregulado e os conflitos de gestão, entre outros.