quinta-feira, 19 junho 2025

“Nosso tempo é outro”: formanda da UFAC veste branco em respeito ao candomblé e se torna primeira discente a usar bata branca em colação de grau

Por Aikon Vitor, da Folha do Acre

Na noite de terça-feira (18), o Teatro Universitário da Universidade Federal do Acre (UFAC) foi palco não apenas de uma cerimônia de colação de grau, mas de um momento histórico para a representatividade religiosa e racial no ambiente acadêmico.

Aisha Martins da Silva, agora licenciada em Ciências Sociais, foi a primeira formanda da UFAC a subir ao palco usando uma bata branca — símbolo de sua fé, de sua ancestralidade e de um compromisso espiritual assumido há quase um ano com o orixá Obatalá, no candomblé.

“Não existe universidade sem diversidade, é uma exigência inclusive semântica, a universidade pública é um lugar que deve acolher todas as expressões culturais, no meu caso, as religiões afro-brasileiras como o candomblé”, afirma Aisha em entrevista à Folha do Acre.

A decisão, segundo ela, foi comunicada com antecedência ao cerimonial da universidade, que acolheu o pedido. A própria formanda providenciou a indumentária e recebeu da equipe da UFAC os demais itens oficiais da cerimônia — o capelo, a faixa e o jabô, adaptados à vestimenta branca.

O uso do branco está ligado a um preceito religioso. No candomblé, é comum que iniciados em Obatalá — considerado o orixá da paz, da justiça e da criação — usem roupas brancas durante um ano, como símbolo de pureza, equilíbrio e compromisso com o novo ciclo espiritual. O gesto de Aisha, portanto, não era performático ou folclórico. Era expressão pública de uma vivência religiosa profunda, que exigiu dela escolhas, disciplina e, por vezes, resistência.

“Quando precisei ficar recolhida para passar pelo ritual de iniciação, precisei conversar com cada docente e acertar a minha ausência. Nesse processo, houve um professor que achou que eu estava querendo enganá-lo, e ele só acreditou quando eu apareci careca, depois de iniciada, com kelê no pescoço. ”, conta Aisha, referindo-se ao colar sagrado usado por iniciados.

Aisha se formou em Ciências Sociais — um curso que, em muitos currículos, é marcado pela predominância da razão, do pensamento crítico ocidental e da análise empírica. Mas ela afirma que nunca viu sua espiritualidade como um obstáculo. Ao contrário: considera que a fé a ajudou a aprofundar o entendimento de temas como identidade, cultura e poder.

“Quando eu cheguei no candomblé, eu já era estudante de Ciências Sociais, então esses conceitos como cultura, identidade e poder já faziam parte da minha realidade. Mas a forma como experienciamos nossa fé nos torna mais sensíveis a como lidar com as diversas manifestações culturais e sistemas simbólicos que podemos nos deparar no nosso estado, como a experiência indígena, a experiência ayahuasqueira e, por que não, a experiência cristã. A religião dos orixás, assim como as Ciências Sociais, prega o respeito à diversidade religiosa”, reflete.

Questionada sobre que mensagem gostaria de deixar para outras pessoas que enfrentam preconceito ao afirmarem sua religiosidade no espaço universitário, Aisha respondeu com palavras que misturam espiritualidade e esperança:

“Apesar dos nossos enfrentamentos, que tenhamos fé para que tenhamos paz, lembrando que nossos passos vêm de longe e, por isso, o tempo para nós, povo de orixá, não é o mesmo tempo do mundo, atentando para que tenhamos paciência com nós mesmos, acolhendo nossas trajetórias com afeto, pois a vitória, na verdade, é sobre nunca desistir. Que meu pai Osalá nos dê suuru e nos abençoe sempre.”

Dados preliminares do Censo Demográfico 2022, divulgados pelo IBGE, apontam um crescimento das religiões de matriz africana, como umbanda e candomblé, no Acre. Embora ainda minoritárias, essas tradições passaram de 0,03% da população em 2010 para 0,24% em 2022.

O município de Senador Guiomard lidera em proporção de adeptos, com 0,49%, seguido por Rio Branco, com 0,41%. Outras cidades do estado também registraram presença dessas religiões, que estão concentradas em áreas específicas.

O levantamento também revela mudanças no cenário religioso local: a população católica caiu de 51,9% para 38,9%, enquanto os evangélicos cresceram de 32,6% para 44,4%, tornando-se o grupo majoritário. O percentual de pessoas sem religião também aumentou.

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