domingo, 8 junho 2025

Mulheres que fazem o Acre: do sabor à identidade, elas empreendem com propósito

Por Mirlany Silva, da Folha do Acre

O que une uma arquiteta apaixonada por marmitas saudáveis a duas amigas que usaram o Carnaval para afirmar a existência do Acre? A resposta está no afeto, na coragem e na escolha de empreender como forma de transformar desafios em propósito.

Em um estado onde o empreendedorismo muitas vezes nasce da necessidade, mulheres têm se destacado ao atribuírem novos significados ao ato de empreender — não apenas como meio de sobrevivência, mas como espaço de construção de identidade, saúde e pertencimento. É o caso da Food Fit, criada por Aline Vorges, e da Made In Acre, idealizada por Rayssa Alves e Juliana Pejon.

Segundo o Perfil Nacional da Mulher Empreendedora, elaborado pelo Projeto Desenvolve Mulher Empreendedora, em parceria com a Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil (CACB), o Conselho Nacional da Mulher Empreendedora e da Cultura (CMEC) e o Sebrae Nacional, o Acre é o estado com a menor proporção de mulheres donas de negócios no país. Ao todo, 23.564 mulheres são empreendedoras no estado, representando apenas 24% dos líderes empresariais. Dessas, apenas 10% são empregadoras.

Primeira loja física na academia – Foto: Cedida

Esses números refletem mais do que estatísticas: revelam histórias como a de Aline Vorges, que há sete anos trocou os projetos de arquitetura pelas receitas saudáveis. Ainda estudante, Aline viu em sua rotina atribulada uma oportunidade de criar algo com propósito. Ela preparava suas marmitas semanais como parte de uma dieta rígida, necessária para conciliar os estudos com a rotina de treinos. O que começou como um hábito pessoal se tornou um negócio.

“Foi algo que surgiu na minha vida de forma bem espontânea. Eu cursava arquitetura, mas sempre me identifiquei com a cozinha. Como fazia dieta e treinava, produzia minhas refeições com antecedência. Quando percebi, já tinha gente pedindo para eu fazer para eles também”, conta Aline, hoje referência em gastronomia saudável no estado com a Food Fit, marca especializada em refeições e doces com baixo teor calórico, sem açúcar, lactose ou glúten.

Refeições com baixo teor calórico – Foto: Cedida

Com o apoio da irmã, Luana Vorges, que à época concluía o curso de nutrição, Aline passou a montar os cardápios com embasamento técnico. “Com ajuda dela, passei a aprender mais sobre dietas, e tudo aquilo que poderia desenvolver nos meus cardápios”, afirma.

O sucesso foi tanto que Aline decidiu mudar de curso e mergulhar de vez na gastronomia. Ingressou na faculdade de Gastronomia pela UniCesumar e abriu sua primeira loja física dentro de uma academia. Com o crescimento do negócio, passou a investir também em doces saudáveis – alternativa cada vez mais procurada por quem buscava equilíbrio sem abrir mão do prazer de um docinho.

“Fui criando alguns cardápios na área do doce saudável também. Aprendi mais na prática testando receitas. Fiz um curso de confeitaria funcional, que me ajudou bastante a produzir os doces”, destaca Aline.

Bolo 100% cacau com farinha de aveia e cobertura 70% com castanhas – Foto: Cedida

Como muitos empreendedores no Brasil, Aline enfrentou dificuldades na gestão do negócio e precisou fechar temporariamente sua loja física após uma gravidez. Com poucos recursos, criou a Choco Fit, marca focada em doces saudáveis, mas encontrou obstáculos no alto custo dos insumos. Quase desistiu, mas foi incentivada pela irmã e decidiu reativar a Food Fit, desta vez com foco em refeições por encomenda. Hoje, mesmo com uma estrutura reduzida, ela continua produzindo em casa e sonha com a expansão. Um dos carros-chefe é o bolinho 100% cacau.

“Minha ideia é tornar a Food Fit em algo bem maior, com um cardápio completo, onde os clientes possam ter desde lanches, doces e refeições para uma dieta e rotina saudável”, diz Vorges. Apesar dos altos e baixos, seu compromisso permanece: oferecer comida saudável, saborosa e acessível. Seu maior orgulho é ouvir dos clientes que “a comida não parece de dieta”.

Made In Acre: o orgulho de dizer “o Acre existe”

Se Aline empreendeu pela saúde, Rayssa Alves e Juliana Pejon decidiram empreender pela identidade. A Made In Acre nasceu da vontade de brincar com os estereótipos, e acabou se tornando um movimento cultural.

O que começou como uma brincadeira de Carnaval entre amigas em Pernambuco, se transformou em uma das marcas mais emblemáticas do Acre. Rayssa, acreana, e Juliana, paulista que vive no estado desde os 14 anos, são as mentes e corações por trás da marca, criada para afirmar com orgulho: sim, o Acre existe.

Camiseta que representa a história do Acre – Foto: Folha do Acre

“A ideia surgiu como uma brincadeira de Carnaval”, lembra Rayssa. Em 2020, durante uma viagem a Pernambuco, um grupo de amigas decidiu levar o Acre consigo. A camiseta improvisada com a frase “Made In Acre”, inspirada em expressões como “Made in Brazil”, logo chamou atenção. “As pessoas olhavam pra gente e falavam ‘Meu Deus, vocês são do Acre?’ E a gente: ‘Sim, o Acre existe’”, completa Rayssa.

A repercussão foi imediata. As postagens nas redes sociais renderam elogios, perguntas e uma demanda inesperada. “As pessoas começaram a perguntar: ‘Que camiseta é essa? De onde é? Adorei, tá linda!’”, conta Rayssa.

Juliana, que já conhecia os processos de fabricação através da família, aliou seus conhecimentos aos talentos de Rayssa no marketing e design. Assim, em dezembro de 2019, nascia oficialmente a Made In Acre. “A ideia inicial era vender a camiseta de fato, o que as pessoas queriam. A gente estava vendendo inicialmente já o sentimento do orgulho de dizer que era do Acre e das nossas cores e da nossa cultura”, explica Juliana.

Além das camisetas, a marca produz diversos outros produtos, como bonés – Foto: Folha do Acre

Com o tempo, a marca se tornou uma missão: valorizar e divulgar a cultura acreana e dos povos originários da região. “Ela deixou de ser apenas uma marca de produtos, mas também uma comunicação, essa coisa que as pessoas realmente têm orgulho de falar que é do Acre, de vestir mesmo”, diz Rayssa.

“A Made In Acre trabalha o empoderamento do acreano de ser acreano, não só do acreano em si, mas também dos povos originários”, afirma Juliana. Em 2021, o cacique da Aldeia Nova Esperança procurou a dupla com a proposta de desenvolver uma coleção especial. “Ele nos deu essa oportunidade de divulgar ainda mais a cultura e o que eles têm de mais sagrado e lindo”, lembra Juliana.

Peças dos povos originários – Foto: Folha do Acre

Hoje, a loja física da marca em Rio Branco se tornou ponto turístico. “Grupos de turistas vêm até a loja, já virou um ponto turístico aqui”, diz Juliana. “Imagina o quanto o Acre está sendo falado não somente pelos acreanos, mas por pessoas que adquirem peças aqui na loja e ficam encantadas com o Acre”.

Para Rayssa, o sucesso da marca também está enraizado em uma trajetória de reconexão com as origens e com os saberes locais. “Acho que a gente tem esse potencial mesmo pra estar lá. A nossa história tem essa capacidade. A Amazônia tem essa capacidade. Essa riqueza de chegar aonde a gente chegou”.

Como diz uma das frases que Rayssa carrega com orgulho: “O estado que lutou para ser brasileiro”. E com a Made In Acre, essa história de luta, identidade e beleza segue sendo contada, estampa por estampa.

Empreender no Acre é também resistir

Apesar de trajetórias diferentes, as histórias de Aline, Rayssa e Juliana se cruzam em um ponto em comum: o desejo de empreender com propósito, mesmo diante das adversidades.
Para Rayssa e Juliana, cada camiseta vendida é uma nova história contada.

“Vestir uma camiseta da Made In Acre e viajar é uma oportunidade para puxar uma conversa porque a pessoa pergunta ‘Do Acre?’ E você tem a oportunidade de falar do seu estado, você tem a oportunidade de dizer de onde você é. Você não é mais um paulista ou um carioca. Você é da Amazônia, você é do Acre”, afirma Juliana.

Elas enfrentam desafios típicos da região, como alto custo de insumos, logística precária e falta de incentivo. Mas encontram força na criatividade, no afeto e nas redes de apoio.

“Empreender nesse ramo é desafiador, mas se tornou pra mim um sonho. Quando falamos de alimentação saudável, a grande maioria imagina que é uma comida menos saborosa. Fui elaborando cardápios e produzindo refeições que pudessem quebrar esse paradigma. Posso dizer que todos os clientes hoje sempre me relatam e passam o mesmo feedback: a comida tem muito sabor”, relata Aline.

Tanto a Food Fit quanto a Made In Acre nasceram de histórias pessoais — uma pela saúde, outra pela cultura. Mas ambas provam que o empreendedorismo feminino no Acre vai além do lucro. Ele é feito de histórias reais, de afetos, de raízes que florescem mesmo em solo difícil.

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