O Brasil pode ser obrigado a discutir uma nova reforma da Previdência mais cedo do que se imaginava. A avaliação é de especialistas em economia e previdência que participaram do podcast Dois Pontos, do Estadão, nesta quarta-feira, 20. Segundo eles, o envelhecimento acelerado da população brasileira, as mudanças no mercado de trabalho e o comportamento da nova geração tornam o atual modelo previdenciário insustentável a longo prazo.
De acordo com os especialistas, a combinação entre o aumento da expectativa de vida, a queda na taxa de natalidade e a crescente busca dos jovens por mais flexibilidade no trabalho tem comprometido o equilíbrio financeiro do sistema atual. Sem mudanças, o risco é que o modelo se torne insustentável nos próximos anos.
“O Brasil está passando por um processo de envelhecimento populacional enorme e mais acelerado do que em outros países. Além disso, temos um problema sério com a indexação dos benefícios ao salário mínimo. Essa regra é matematicamente insustentável, pois garante ganhos reais acima da inflação e do PIB. Essa conta não fecha”, afirmou Gabriel Barros, economista-chefe da ARX Investimentos.
Atualmente, o sistema previdenciário brasileiro funciona no modelo de repartição: os trabalhadores ativos contribuem para financiar as aposentadorias de quem já está fora do mercado de trabalho. No entanto, com menos pessoas contribuindo e mais beneficiários a serem pagos, o déficit tende a aumentar.
Victor Bernardes, diretor de Vida e Previdência da SulAmérica, reforçou a necessidade de rever o atual modelo. “A responsabilidade de garantir a aposentadoria do futuro vai acabar recaindo sobre o próprio contribuinte. A conta tem que ser paga por alguém, e, nesse caso, é pela própria sociedade”, destacou.
Além da pressão sobre o sistema previdenciário, Barros lembrou que o envelhecimento populacional também afeta outras áreas do financiamento público, como saúde e educação. Segundo ele, estados mais jovens demandam mais investimentos em educação, enquanto aqueles com maior número de idosos precisam ampliar recursos para saúde. “Essa mudança demográfica cria um problema matemático relevante para a situação da Previdência e do setor público em geral”, alertou.
Outro ponto crítico, segundo Barros, é o impacto do reajuste do salário mínimo sobre as contas públicas. “A cada R$ 1 de aumento no salário mínimo, a despesa do governo cresce R$ 400 milhões, boa parte disso devido à Previdência”, explicou.
Victor Bernardes também defendeu a necessidade de uma mudanças cultural sobre o tema. Segundo ele, o brasileiro precisa ser conscientizado sobre a importância de poupar e planejar o futuro. “Essa geração [dos 25 a 30 anos] é a primeira que já nasceu e cresceu com estabilidade monetária. Mas, ainda assim, há pouca cultura de planejamento de longo prazo. Enquanto isso, há bilhões circulando no mercado de apostas e jogos de azar, o que mostra uma inversão de prioridades”, afirmou.
Os dois especialistas concordaram que novas reformas na Previdência são inevitáveis, mas alertaram que medidas graduais costumam ter efeito limitado. “Reformas paramétricas dão um novo fôlego, mas não resolvem o problema estrutural. Daqui a alguns anos, estaremos discutindo novamente o que fazer”, avaliou Bernardes.
Além da Previdência, Barros defendeu uma revisão mais ampla das despesas públicas. “O problema não é só previdenciário. Há políticas sociais ineficientes, gastos sobrepostos e desperdício de recursos. Precisamos rever o orçamento como um todo”, completou.