O Brasil que o mundo não vê
Quando se fala em Amazônia, o mundo pensa em biodiversidade, clima e floresta. Mas poucos enxergam o que existe sob a copa das árvores: milhões de brasileiros vivendo sem o mínimo necessário para uma vida digna. Em pleno século 21, falta o básico — água tratada, coleta de esgoto, destino adequado para o lixo. O Brasil que o mundo aplaude pela floresta esconde uma Amazônia invisível. E no centro dela está o Acre e a ausência quase total de saneamento básico.
A Amazônia brasileira apresenta alguns dos piores indicadores de saneamento do país e, infelizmente, do mundo. Os números são comparáveis aos de regiões extremamente pobres da África. Trata-se de uma realidade inaceitável, especialmente diante do potencial econômico, social e ambiental da região.
O Acre, um dos estados mais afetados por essa situação, figura entre os piores índices nacionais. Segundo o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS, 2022), apenas 47% da população tem acesso à rede de abastecimento de água tratada, enquanto menos de 15% possuem acesso à coleta e tratamento de esgoto. Embora a coleta de resíduos sólidos ocorra em boa parte dos municípios, a destinação final ainda depende de lixões a céu aberto. Esse dado, longe de ser uma estatística fria, representa sofrimento humano concreto, doenças evitáveis e um alto custo social. Diarreias, dengue, leptospirose e outras enfermidades se alastram pela ausência de infraestrutura mínima.
Nos últimos anos, foram estruturados projetos-piloto para apoiar estados da Amazônia na adoção de novos modelos de saneamento básico. Um dos exemplos mais avançados está no Amapá, que já apresenta resultados promissores, com investimentos previstos de R$ 4,8 bilhões e metas de universalização. O modelo, baseado em Parcerias Público-Privadas (PPPs), prevê que a oferta de água tratada salte de 38% para 99% em pouco mais de uma década, além de uma expansão robusta da rede de esgotamento sanitário.
Esse exemplo comprova que, quando há vontade política, planejamento técnico e articulação institucional, é possível transformar a realidade. A estagnação em outras regiões da Amazônia, por outro lado, reflete escolhas que precisam ser urgentemente revistas. Modelos ultrapassados e ineficientes ainda persistem, bloqueando avanços essenciais, agravando vulnerabilidades e perpetuando a exclusão.
É preciso romper esse ciclo.
Tenho me dedicado a essa causa não por vaidade política, mas porque conheço de perto o sofrimento das famílias que vivem sem água limpa, sem esgoto, sem dignidade. Por isso, tenho buscado abrir caminhos, promover diálogos e apoiar alternativas que tornem possível mudar essa realidade. Um passo importante tem sido a construção de uma parceria público-privada para a gestão dos resíduos sólidos no Acre, com apoio técnico e o envolvimento direto dos 22 municípios do estado.
Além disso, é fundamental compreender que sem saneamento básico, o desenvolvimento urbano simplesmente não acontece. Não há como construir casas dignas onde não existe rede de água e esgoto. Programas de moradia popular precisam incluir infraestrutura sanitária desde a origem. Caso contrário, as casas viram paliativos temporários em vez de soluções definitivas. Estados e municípios devem se antecipar com estudos técnicos, porque sem planejamento de saneamento, não há política habitacional eficaz.
A situação se agrava quando se considera que, sem saneamento, não é possível acessar políticas públicas fundamentais, como o programa Minha Casa, Minha Vida. A legislação exige que os empreendimentos tenham ligação com redes de água e esgoto, o que inviabiliza projetos em locais desprovidos dessa infraestrutura. Não se trata apenas de uma exigência técnica: é um bloqueio ao sonho de milhares de famílias de baixa renda que esperam por uma casa digna. O que deveria ser um avanço rumo à inclusão social acaba travado pela falta de planejamento e de prioridade. E na Amazônia, onde as carências são maiores, essa negligência perpetua o ciclo da pobreza e da invisibilidade.
Os impactos ambientais também são alarmantes. A ausência de saneamento polui rios, contamina o solo e compromete ecossistemas já fragilizados por outros fatores. Além disso, o prejuízo à saúde pública é incalculável. Cada real investido em saneamento gera uma economia de cinco reais na saúde pública, segundo a Organização Mundial da Saúde. Estamos falando de doenças que já deveriam ter sido erradicadas: verminoses, hepatite A, dengue, chikungunya, leptospirose. E até aquelas viroses sem nome, que lotam os postos de saúde e ninguém sabe ao certo de onde vêm, mas vêm, sim, da ausência de saneamento.
Investir em saneamento não é apenas melhorar indicadores econômicos ou ambientais. É garantir saúde, dignidade e qualidade de vida para milhões de brasileiros. É também atrair investimentos, gerar empregos, valorizar imóveis e impulsionar o desenvolvimento sustentável. É um ciclo virtuoso que começa com o básico e que tem impacto direto sobre o futuro daquela região e de quem vive nela.
A Amazônia precisa ser definitivamente incluída na agenda global de desenvolvimento sustentável, com o saneamento como um de seus pilares centrais. Este é um chamado às lideranças políticas, empresariais e sociais a abraçarem esse desafio com coragem.
O futuro da Amazônia não depende só da proteção das árvores, mas também da dignidade de seu povo.
O Brasil invisível não pede só água limpa. Pede respeito, pede prioridade.
Alan Rick é senador da República pelo União Brasil/AC