Conheça Eduarda Pagu: a primeira mulher transexual a se formar em Psicologia na UFAC

Eduarda Pagu Lopes Rodrigues, aos 23 anos, alcançou um marco histórico ao se tornar a primeira mulher transexual a se formar em Psicologia pela Universidade Federal do Acre (UFAC). Sua jornada é um testemunho de resiliência, determinação e a busca incessante por um mundo mais inclusivo e justo para a comunidade trans.

Desafios e superação

Desde o início, Eduarda enfrentou uma série de desafios, tanto pessoais quanto institucionais. “Eu me sinto extremamente sortuda e grata pela minha jornada, o que não significa que foi isenta de sofrimento,” afirma. As universidades brasileiras, em geral, ainda não estão preparadas para a inclusão de pessoas trans, perpetuando uma cultura de invisibilização e exclusão.

Eduarda descreve como a ausência de políticas inclusivas e de apoio concreto torna o ambiente universitário hostil para pessoas trans. “Somos tidas como invisíveis, negligenciadas, ignoradas, vítimas de violências simbólicas que deixam marcas em nosso psiquismo, nosso corpo e nossa existência,” explica. No entanto, ela também reconhece o apoio essencial que recebeu de pessoas próximas, o que foi fundamental para sua resiliência e sucesso.

A importância das referências

Um dos maiores desafios foi a falta de referências trans na Psicologia, especialmente no Acre. “Somos tão capacitadas quanto qualquer outra pessoa cisgênero, mas ainda enfrentamos uma escassez no mercado de trabalho,” destaca Eduarda. Ver outras pessoas trans ocupando espaços significativos é crucial para inspirar e encorajar outros a seguirem seus sonhos.

Ela menciona a inspiração que encontrou em um homem trans que se formou antes dela na UFAC, ressaltando a importância de ver alguém que compartilhasse de sua realidade alcançando uma vitória semelhante. “Acompanhem psis trans e travestis, se abram a contratarem psis travestis e trans,” sugere, enfatizando a necessidade de romper com a binariedade de gênero e incluir pessoas trans em todos os setores.

Apoio e acolhimento

Apesar das dificuldades, Eduarda também viveu momentos de apoio e acolhimento durante sua graduação. Seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) abordou as relações amorosas de travestis, explorando os desafios e a coragem envolvida no amor. “Eu tive muito apoio de todos os professores do meu curso, tive cuidado, tive respeito,” ela conta emocionada.

O apoio familiar e de amigos também foi crucial para Eduarda. “Eu tive sorte do apoio deles em todos os âmbitos possíveis,” reconhece, destacando que muitas pessoas trans não têm esse privilégio. O amor e a aceitação dos amigos foram fundamentais para que ela pudesse se afirmar como travesti e enfrentar a violência e discriminação.

A Psicologia como ferramenta de mudança

Eduarda vê a Psicologia como uma ferramenta essencial para melhorar a qualidade de vida das pessoas trans. Ela acredita que a Psicologia deve ir além da psicoterapia e envolver-se na criação e manutenção de políticas públicas que reconheçam e respeitem a humanidade e os direitos das pessoas trans. “Temos um compromisso e um dever social de gerar mudanças na sociedade,” afirma.

Ela espera atuar tanto na área clínica quanto em políticas públicas, buscando trazer dignidade ao sofrimento das pessoas trans e lutar por uma sociedade mais justa e inclusiva. “É essa psicologia que eu acredito, uma psicologia que não aceite calada essa sociedade conservadora e neoliberal,” explica.

A experiência acadêmica e profissional

Durante seu tempo na UFAC, Eduarda teve experiências enriquecedoras que moldaram sua perspectiva profissional. Ela estagiou em escolas, no âmbito jurídico e, principalmente, no Serviço Escola de Psicologia da UFAC, onde se dedicou à escuta clínica. “Nos plantões psicológicos, nos grupos terapêuticos e nos outros serviços ofertados pelo espaço, eu me debrucei na clínica, na escuta de quem buscava por psicoterapia,” relembra.

Embora muitos esperassem que ela seguisse a ênfase em políticas públicas e psicologia social, Eduarda optou por avaliação psicológica, mas manteve um pé firme nas políticas públicas. “Sou apaixonada pela área clínica, encantada pela potência da psicoterapia, entretanto, existe um desejo em mim de também trabalhar com as políticas públicas,” ela diz, mostrando sua visão holística da Psicologia.

O papel transformador da psicologia

Para Eduarda, a Psicologia tem um papel fundamental na promoção e melhoria da qualidade de vida das pessoas trans. “Não estou desmerecendo a psicoterapia, pelo contrário, reconheço seu poder e seu papel no cuidado em saúde mental,” afirma. No entanto, ela destaca que a Psicologia deve ir além e atuar na criação de condições materiais e físicas que permitam às pessoas trans viverem com dignidade.

Ela enfatiza a importância de políticas públicas, emprego e moradia digna para que pessoas trans sejam reconhecidas como humanas e sujeitos de direito. “Temos um compromisso e um dever social de gerar mudanças na sociedade,” reforça, destacando que psicólogos devem se comprometer politicamente na luta por uma sociedade mais justa.

Um futuro de esperança

A história de Eduarda Pagu é um exemplo poderoso de superação e determinação. Sua formação em Psicologia pela UFAC é um marco que abre caminho para futuras gerações de pessoas trans. Ela acredita que, com apoio e inclusão, é possível alcançar grandes conquistas e transformar a sociedade.

Eduarda conclui com um conselho para todos: “Nosso papel é escutar, tenham isso em mente, com responsabilidade e um compromisso ético.” Ela espera que sua trajetória inspire outros a lutar por seus sonhos e a acreditar em suas capacidades, mesmo diante das adversidades.

A realidade das pessoas trans no ensino superior

A conquista de Eduarda Pagu é ainda mais impressionante quando consideramos a realidade das pessoas trans no Brasil. Segundo a Andifes, apenas 0,2% dos estudantes em instituições públicas de ensino superior são trans ou travestis. A Antra revelou que apenas 0,02% das pessoas trans e travestis tiveram acesso ao ensino superior.

Além disso:
– 70% das pessoas trans e travestis não concluíram o ensino médio.
– Em 2018, apenas 3.379 pessoas transexuais estavam nas universidades federais.
– Em 2020 e 2021, apenas cinco universidades públicas brasileiras tinham cotas para pessoas trans e travestis.
– 82% das pessoas trans abandonam o Ensino Médio entre os 14 e os 18 anos, segundo a Rede Nacional de Pessoas Trans do Brasil.

Esses dados mostram a necessidade urgente de políticas inclusivas e de permanência para garantir o acesso e a conclusão do ensino superior para pessoas trans. A trajetória de Eduarda Pagu prova que, com o apoio certo, é possível superar barreiras e alcançar grandes feitos.