O Ministério Público do Acre (MP-AC), por meio da Promotoria de Justiça Especializada de Defesa do Meio Ambiente, instaurou um um inquérito civil para apurar as circunstâncias da morte do cão Ben, em abril deste ano, após o animal ser esquecido dentro do carro de transporte da creche para cães Petrioca Pets.
A portaria que instaura o procedimento foi publicada no Diário Eletrônico do MP nessa segunda-feira (20), assinada pelo promotor Alekine Lopes dos Santos, e converte uma notícia de fato aberta pelo MP no primeiro semestre.
No documento, o promotor ressalta que a proteção dos animais é dever de todos, e que a legislação prevê pena de prisão de três meses a um ano, além de multa para quem praticar abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais.
“Considerando que o legislador constituinte originário reconheceu que os animais possuem um valor intrínseco a ser respeitado, e cumprem papel de grande importância ambiental, sendo dever de todos a proteção dos animais, razão pela qual veda as práticas que coloquem em risco sua função ecológica”, diz um trecho do documento.
Morte na creche
O cachorro da raça pug Benjamin, apelidado carinhosamente pela família de Ben, morreu no dia 4 de abril após ser esquecido dentro do carro de transporte da creche para cães Petrioca Pets, em Rio Branco. O caso foi denunciado pelo arquiteto Caio Cavalcanti, filho da tutora de Ben, em um vídeo publicado em uma rede social.
Nas imagens, o arquiteto diz que resolveu falar da morte do animal, a quem ele chamava de irmão, depois que a dona da creche, Ana Fonseca, passou informações distorcidas sobre a situação em uma publicação nas redes sociais.
“Na nossa casa, o Benjamin era nosso irmão e perdemos ele semana passada de uma forma brutal. Não tínhamos nos manifestado porque lembrar da forma que ele foi morto ainda dói muito, principalmente na minha mãe. Resolvemos não ficar calados depois vimos a forma que o ocorrido foi posto fez doer ainda mais”, diz no vídeo.
Ben ficava diariamente sob os cuidados da creche há mais de um ano. No último dia 4, a equipe buscou ele na casa da tutora, Margareth Macedo, no Conjunto Castelo Branco, às 7h45 e saiu para pegar outros animais. Os servidores chegaram à creche por volta das 9h, retiraram alguns animais e esqueceram Ben dentro da casinha de transporte.
O arquiteto acredita que o animal ficou por mais de uma hora trancado dentro do carro. Segundo a família, a administração da creche alega que o cachorro ficou entre 40 minutos a uma hora no veículo, contudo, a família descobriu que o animal deu entrada no hospital às 11h do dia. “Ficou mais de uma hora no hospital, chegou com a língua roxa, o termômetro do veterinário não conseguiu aferir a temperatura dele. Estava muito alta a temperatura dele”, denuncia.
Caio afirma também que a família foi avisada do estado do animal quase cinco horas depois, após às 15h. Ele fala que, ao chegar no hospital veterinário, Ben aparentava estar em estado vegetativo e não esboçou nenhuma reação.
“A dona da creche informou à minha mãe, que estava prestes a fazer alguns exames, e ela me mandou mensagens desesperadas pedindo ajuda. Liguei pra a dona da creche, que não falou o que aconteceu, só falava que ele estava estável e no hospital. Em nenhum momento se explicou de uma forma clara para a gente entender o que tinha acontecido. Quando cheguei ele não tinha nenhuma reação, não sentiu minha presença, não se mexia”, relembrou.
Ainda segundo o arquiteto, a veterinária explicou que o animal estava naquele estado por conta de algum dano neurológico que pode ter sido causado pelo tempo que ele ficou sem oxigênio dentro do carro. “Enquanto a doutora falava, o Ben teve uma espasmo na minha frente e esticou uma das patas, pediram pra eu sair da sala que iam fazer algumas manobras nele. Sai e percebi que não estava tudo bem”, lamentou.
Após buscar a mãe e levar para o hospital, o arquiteto foi informado que o animal tinha falecido. “Ele ia fazer sete anos este mês. Foi negligência, um erro deixar o cachorro lá. Se você leva quatro cachorros no carro, você retira quatro cachorros, não tinha três. Você confere. É negligência por parte dela. Ela falou no vídeo que quando cheguei no hospital, ele teve uma parada cardíaca e morreu. Falou que foi minha culpa ele ter morrido, sendo que quando cheguei estava em estado vegetativo”, criticou.
A família contratou a advogada Vanessa Facundes, que tem uma ONG que resgata animais, para entrar com um processo contra a creche. Também foi feito um boletim de ocorrência e a advogada acionou o Ministério Público do Acre (MP-AC).
Caio Cavalcanti conta que os veterinários confirmaram que o animal teve problemas neurológicos. “Chegou com a língua roxa, sem respirar e já tinha problemas para respirar, tinha o nariz para dentro, então, ficar sem oxigênio, chegar em uma temperatura de 40 graus. Mesmo que ele conseguisse sobreviver, ficaria com algumas sequelas”, finalizou.
‘Falha da equipe’, diz dona de creche
A dona da creche para cães Petrioca Pets, Ana Fonseca, afirmou que em nenhum momento a administração do espaço se eximiu da responsabilidade pela morte do animal. “A gente errou, a responsabilidade é nossa, quando coloquei que era uma fatalidade é porque em nenhum momento ia sair da minha casa, pegar um cachorro para simplesmente matar ele em meu espaço. Não faria isso com um cachorro que está sob minha responsabilidade por meio de contrato ainda e muito menos com um cachorro que eu tinha um vínculo e amava muito”, frisou.
Ela estava na equipe que buscou os cães nas residências, mas destacou que outro servidor ficou responsável por retirá-los. Ela argumentou que procurou pelo animal logo que percebeu que ele não estava no campo com os outros cães.
“Quando chegamos, houve essa demora em retirar o Ben do carro. Era transportado dentro de uma caixa de transporte, inclusive, pela família, mas houve falha da equipe nesse sentido, demorou mais tempo dentro do carro. Não vou conseguir precisar a questão do tempo, mas foi entre 40 minutos, uma hora a uma hora e meia”, alegou.
Ao encontrar Ben dentro do carro, a empresária recorda que o animal estava com dificuldades para respirar, um tipo de muco na boca e com a língua roxa. Ana diz que retirou o cão da caixa, chamou um colega e foi direto para o hospital veterinário.
“Liguei imediatamente para uma veterinária que é parceira nossa e, inclusive, acompanhava o Ben. Fui para o hospital, da empresa para o hospital levamos cerca de 20 e poucos minutos. Passei direto pra sala de emergência, depois de uma hora e pouco fui fazer o cadastro do Ben e dar entrada dele. Quando fui fazer o cadastro dele já estava com a coloração da língua normal, estava respirando e bem, melhor do que entrou”, complementou.
Sobre a demora em avisar a tutora do animal, a empresária argumenta que a prioridade era preservar a vida do cachorro, em deixá-lo estável para, posteriormente, avisar à família. “Isso está descrito em cláusula no contrato. Nessas situações, eu escolho um veterinário da minha confiança, que é uma pessoa que vai me atender rápido, vai ter disponibilidade. Não avisei à família antes porque precisava ter noção de como ele ia ficar”, pontuou.
Ana Fonseca recordou que Ben foi um dos primeiros clientes da creche, que tinha um enorme carinho por ele e também sentiu muito a morte. “Eu quanto dona da empresa, que amava ele também, fiquei muito mal com a situação porque foi um dos meus primeiros clientes e a todo momento, inclusive falei com a tutora dele e deixei claro que minha maior preocupação era ela duvidar do amor que eu tinha por ele. Se ele frequentava lá não é porque era negligenciado, nem maltratado, era porque confiavam em nosso serviço. Ver que falhamos nisso me dói muito”, lamentou.
G1/AC