Amazônia tem taxa de assassinatos superior à média nacional; feminicídios e estupros também crescem

A taxa média de mortes violentas intencionais na Amazônia foi 45% superior à média nacional em 2022. O Brasil registrou, no ano passado, taxa de violência letal de 23,3 mortes para cada grupo de 100 mil habitantes. Nas cidades que compõem a Amazônia Legal, a taxa chegou a 33,8 por 100 mil.

Os dados foram compilados pelo relatório Cartografias da Violência na Amazônia, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e do Instituto Mãe Crioula, com base em números das secretarias estaduais de Segurança Pública e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Todos os crimes comparados no levantamento tiveram resultados piores para a região amazônica: além de homicídios, feminicídios, homicídios contra indígenas, estupros e registros de armas.

Nas cidades classificadas como urbanas pelo IBGE, a taxa de mortes violentas intencionais na Amazônia legal – de 35,1 por 100 mil habitantes – é 52% superior à média nacional, que foi de 23,2 por 100 mil.

“Se o desmatamento desenfreado e a exploração ilegal de minérios são variáveis presentes há décadas na região, que também convive diariamente com a violência decorrente dos conflitos fundiários, a disseminação de facções criminosas que atuam especialmente no narcotráfico é um fenômeno que se consolidou há cerca de uma década, gerando crescimento dos homicídios e ameaçando ainda mais o modo de vida dos povos indígenas, ribeirinhos e quilombolas”, diz o documento.

A taxa de feminicídio nos municípios amazônicos foi de 1,8 para cada 100 mil mulheres, 30,8% maior do que média nacional (1,4 por 100 mil). A taxa de mortes violentas intencionais de mulheres – incluindo feminicídios, homicídios dolosos, latrocínios e lesões corporais seguidas de morte – foi de 5,2 por 100mil mulheres, 34% superior à média nacional, de 3,9 por 100 mil.

“Uma das hipóteses aventadas pela literatura tem relação com o processo colonizador muito particular pelo qual passou a região, majoritariamente masculino, marcado pelo silenciamento e exploração da mulher e sob perspectiva utilitarista, baseada em um olhar para a Amazônia como espaço provedor de matérias primas, sem preocupação com o desenvolvimento local”, observou o relatório sobre o maior índice de assassinatos de mulheres na Amazônia.

Além disso, o FBSP ressalta que a região é formada por população feminina majoritariamente negra, indígena e ribeirinha, “cujos marcadores sociais se sobrepõem em camadas de vulnerabilidade e risco”.

A violência sexual também apresentou taxas mais altas na região do que no restante do país. Considerando a soma das ocorrências de estupro e estupro de vulnerável, a taxa chegou a 49,4 vítimas para cada 100 mil pessoas em 2022, nas cidades da região. O número é 33,8% superior à média nacional, que foi de 36,9 por 100 mil no mesmo período.

A taxa de mortes violentas intencionais de indígenas na região é de 13,1 para cada 100 mil indígenas, segundo dados do Datasus, 11% maior do que a média brasileira, que é de 11,8 por 100 mil indígenas. A taxa de mortes entre indígenas foi calculada com base nos dados mais recentes, que correspondem a 2021. Nos demais estados brasileiros fora da Amazônia Legal, a taxa é de 10,4 vítimas a cada 100 mil indígenas. Ou seja, a taxa de mortes violentas de indígenas na Amazônia é 26% maior do que fora dela.

Crime organizado

O estudo mapeou a existência de pelo menos 22 facções do crime organizado na região, presentes em todos os estados amazônicos. “A fronteira amazônica possui a maioria dos municípios que são objeto de disputa territorial por facções, que geralmente se instalam para estabelecer o controle dos fluxos e das relações de poder que garantam o escoamento de drogas e outros ilícitos para o território nacional”, destacou a entidade.

Do total de 772 municípios da Amazônia Legal, o relatório identificou ao menos 178 que têm presença de facções, o que representa 23% de todos os municípios da região. Os municípios em situação de disputa territorial entre duas ou mais facções são ao menos 80, representando o percentual de 10,4% do total da região.

“O que mais chama atenção e revela a gravidade do problema é que nos 178 municípios com a presença de alguma facção, vivem aproximadamente 57,9% dos habitantes da região. Nos 80 municípios em disputa por facções, a população absoluta é de cerca de 8,3 milhões de habitantes, algo próximo de 31,12 % da população total da Amazônia”, segundo o documento.

Isso significa, de acordo com o relatório, que cerca de um terço dos moradores da Amazônia Legal está em áreas conflagradas e em disputa, sujeitos às dinâmicas de violência extrema e sobreposição de ilegalidades e crimes. O estudo reiterou que o processo de expansão e consolidação das facções criminosas na região está diretamente ligado às dinâmicas de funcionamento do sistema prisional.

“Em dez anos, a taxa de pessoas privadas de liberdade na Amazônia Legal cresceu 67,3%, enquanto a média nacional foi de 43,3% de aumento. Em 2022, 98.034 pessoas cumpriam pena no sistema penitenciário ou estavam sob custódia das polícias nos estados que compõem a Amazônia”, diz o documento.

Apreensão de drogas

A apreensão de cocaína pelas polícias estaduais na Amazônia cresceu 194,1% entre 2019 e 2022, totalizando pouco mais de 20 toneladas em 2022. O estado com mais apreensões da droga foi Mato Grosso, com 14 toneladas. A Polícia Federal apreendeu 32 toneladas de cocaína em 2022 nos estados que compõem a Amazônia Legal, crescimento de 184,4% quando comparado ao ano de 2019.

As apreensões realizadas pelo Exército tiveram volume significativamente menor em relação às polícias: a soma de maconha e cocaína apreendidas no último ano totaliza quatro toneladas. “A baixa produtividade das Forças Armadas surpreende por serem elas as responsáveis pela segurança das fronteiras, além de possuírem mais recursos humanos que as polícias e disporem de mais equipamentos adequados para atuar nos locais remotos da Amazônia Legal, em comparação com outras forças”, avaliou o relatório.

Os registros de armas de fogo cresceram mais na região amazônica do que no restante dos estados. Em 2019, o total de registros ativos no Sistema Nacional de Armas (Sinarm), da PF, nos estados da Amazônia, foi de 115.092 armas, já em 2022 esse número passou para 219.802, o que representa crescimento de 91%, enquanto a média nacional teve aumento de 47,5%. Entre os estados da Amazônia Legal, Mato Grosso concentrou o maior número de registros, com 63.337, seguido do Pará, com mais de 43 mil, em 2022.

Em relação à estrutura de segurança, o efetivo de policiais militares tem pouco mais de 60 mil servidores da ativa em toda a área da Amazônia Legal. “Quando observamos a presença de policiais na extensão do território fica evidente a carência de efetivo na região: cada policial é responsável, em média, pelo patrulhamento de 83 quilômetros quadrados (km²) na Amazônia Legal, enquanto no Brasil esse valor cai para 21 km² por policial”, indicam as entidades autoras do relatório.

Crimes ambientais

Entre 2018 e 2022, os registros de crimes na Amazônia Legal cresceram: desmatamento aumentou 85,3%, com 619 registros no ano passado; comércio de madeira de lei (Artigo 46 da Lei 9.605), 37,6%, passando de 149 para 205; e incêndios criminosos, com alta de 51,3%, sendo 581 ocorrências no último ano.

A grilagem quase triplicou, segundo dados do relatório. Medida pelo crime de invasão para ocupação de terras da União, estados e municípios, os registros cresceram 275,7%, com pico em 2022, quando foram registrados 139 boletins de ocorrência. Em todo o período, o Maranhão, Pará e Roraima são os estados que se destacam com o maior número de registros.

“O estímulo por parte do governo federal durante a gestão de Jair Bolsonaro, somado ao aumento do preço da grama do ouro durante a pandemia de covid- 19 e à diminuição das fiscalizações ambientais produziu o que poderia ser chamado de ‘nova corrida do ouro’ na Amazônia Legal”, analisou o relatório.

Outro dado relevante, que comprova o aumento da exploração do ouro, de acordo com o estudo, foi o recolhimento do imposto devido no caso da extração de minérios, a Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM). Entre 2018 e 2022, o CFEM recolhido para o ouro aumentou 294,7% na Amazônia Legal, enquanto no Brasil o aumento foi de 153,4%.

No Pará, o CFEM arrecadado em 2021 atingiu seu ápice, um total de mais de R$ 86 milhões, o que representa aumento de 486% ante 2018. “A explicação para esse crescimento está não apenas no aumento da produção de ouro na unidade da Federação, como também no uso das PLGs [permissão de lavra garimpeira] paraenses para esquentar o ouro ilegalmente extraído em territórios totalmente protegidos, como na Terra Indígena Yanomami, em Roraima”, relata o documento.