Twitter e União devem combater transfobia na internet, diz MPF em ação judicial

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O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou ação civil pública com pedido de urgência para que o Twitter e a União adotem medidas para o combate à transfobia e a proteção à população transexual na internet. A ação foi assinada pelo procurador regional dos Direitos do Cidadão no Acre, Lucas Costa Almeida Dias.

Sob nova direção, o Twitter retirou a transfobia das diretrizes de discurso de ódio da plataforma para permitir que práticas de enquadramento intencional com o gênero errado (misgendering) e uso do nome de nascimento de indivíduos transgêneros (deadnaming), a pretexto de garantir a liberdade de expressão.

Para o MPF, contudo, a liberdade de expressão não admite que crimes de transfobia sejam praticados na internet e o Twitter retrocedeu na proteção da comunidade transexual.

A ação civil pública leva em conta recente decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Caso Olivera Fuentes vs. Peru, 2023), que estabeleceu diretrizes para empresas protegeram direitos humanos das pessoas LGBTQIA+ e aponta omissão da União em implementar políticas adequadas de combate ao discurso de ódio, bem como atividades de regulamentação, monitoramento e fiscalização para que as empresas adotem ações que visem eliminar todo tipo de práticas e atitudes discriminatórias.

Dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) indicam que o Brasil é o país que mais mata pessoas trans do mundo há 14 anos consecutivos. Além disso, essa população tem uma expectativa de vida de 35 anos, enquanto da população geral é de 74,9 anos.

Para o MPF, as plataformas digitais também devem garantir direitos humanos, bem como prevenir e combater o discurso de ódio e a União deve realizar Plano de Enfrentamento à Transfobia na Internet, com participação social e dos representantes das mídias digitais, para enfrentar esse grave problema.

Monetização do discurso de ódio – Recente estudo realizado pela Universidade de Cambridge concluiu que publicar comentários ou conteúdos preconceituosos e com discurso de ódio na internet tem sido uma estratégia bastante eficaz para fazer com que outras pessoas acessem esse tipo de postagem, em vez de darem maior importância a outros posts ‘saudáveis’.

De acordo com o MPF, os algoritmos sabem que tipo de conteúdo mantém os usuários ligados nas plataformas e passam a priorizá-lo. “Posts que despertam reações emocionais, que dão vontade de compartilhar, dar like, retuitar, vídeos que inspiram indignação que levam as pessoas a comentar: esse é o tipo de conteúdo que prende a atenção e pode ser revertido em lucros com publicidade”, destaca trecho da ação.

Os principais impactos acusados à população trans, de acordo com pesquisa da Antra, são a piora na saúde mental, com episódios de crises de ansiedade e agravos de quadros de depressão; aumento do isolamento de pessoas — que se sentiram obrigadas a excluírem suas redes sociais, com medo de represálias, e, por isso, perderam suas redes de apoio -; ameaças e exposições por grupos de ódio; e medo de sair nas ruas pelo aumento da violência transfóbica direta.

Mudanças na gestão e nas regras de uso do Twitter – Em janeiro deste ano, a Organização das Nações Unidas (ONU) emitiu um alerta contra o discurso de ódio nas redes sociais, destacando o crescimento do racismo no Twitter logo após a rede social ter sido comprada pelo empresário Elon Musk, em outubro de 2022. Ainda assim, em abril a política de abuso e assédio da empresa foi alterada para que os tweets ofensivos não fossem mais diretamente excluídos; em vez disso, a nova regra prevê que esses conteúdos receberão tarjas e terão seu alcance reduzido.

Além disso, deixou de considerar transfobia como discurso de ódio na plataforma. O objetivo, segundo a empresa, é “conciliar a liberdade de expressão de seus usuários com a proteção de toda a comunidade contra assédio direcionado”.

Para o MPF, essas práticas permitem ideias de inferiorização e invalidação da identidade de gênero das pessoas trans e contribuem com o cenário violento contra a comunidade LGBTQIA+.

Princípios de Yogyakarta e a responsabilidade da União – Os Princípios de Yogyakarta são um documento internacional, já utilizados pelos Tribunais Superiores no Brasil, sobre direitos humanos nas áreas de orientação sexual e identidade de gênero e contêm um conjunto de preceitos destinados a aplicar os padrões da lei internacional de direitos humanos ao tratar de situações de violação dos direitos humanos das pessoas LGBTQIA+.

O documento permite que todas as pessoas acessem as tecnologias da informação e comunicação, sem violência, discriminação ou outros danos baseados na orientação sexual, identidade de gênero, expressão de gênero ou nas características sexuais.

Além disso, outro princípio estabelece que o poder público deve adotar todas as medidas para buscar que se prevejam e eliminem o discurso de ódio relacionado com a tecnologia que ocorrem online contra as pessoas LGTBQIA+.

Pedidos urgentes – Em caráter de urgência, o MPF pede que o Twitter reestabeleça a proteção específica à população transexual contra as práticas transfóbicas, mediante a reinclusão expressa da diretriz dentro da plataforma, no prazo de 10 dias.

A empresa deve também promover trimestralmente campanhas em seus canais de informação contra o discurso de ódio praticado contra pessoas trans e sobre a configuração, em tese, do enquadramento criminoso de racismo transfóbico.

Além disso, o MPF pede a criação, por parte da União, de um Grupo de Trabalho para deliberar sobre o combate à transfobia na internet, a ser composto pela sociedade civil, associações de proteção aos direitos LGBTQIA+, especialistas em discurso de ódio na internet e representantes das mídias digitais; e a promoção de audiência pública, com convocação nacional de participação civil e representantes das mídias digitais, para a elaboração de Plano Nacional de Enfrentamento e Combate à Transfobia na Internet, no prazo de 120 dias, que ficará sob responsabilidade da Secretaria Nacional de Direitos LGBTQIA+.

Em forma de processo estrutural, o MPF também pede a apresentação de relatório semestral com indicação das ações adotadas e as metas fixadas para o combate à transfobia na internet.

Reparação e indenização – Ao final da tramitação da ação, o MPF quer a condenação do Twitter a realizar ato público de pedido de desculpas à comunidade transexual mencionando a ação civil pública, a ser divulgado em nota oficial veiculada em todos os canais de comunicação da empresa.

O MPF pediu também que o Twitter seja condenado ao pagamento de indenização por dano moral coletivo no valor de R$ 5 milhões, a ser revertido em projetos educativos e informativos sobre os direitos da comunidade trans e travestis e de promoção da diversidade e cultura LGBTQIA+.

Em relação à União, o MPF quer que a Justiça determine, ao final da ação, o acompanhamento, por meio do Conselho Nacional de Direitos LGBTQIA+, das metas fixadas pelo Plano Nacional e o dever de comunicar eventual insuficiência das medidas adotadas.

O pedido inclui ainda o desenvolvimento de atividades de regulamentação, monitoramento e fiscalização para que as redes sociais adotem ações para eliminar todo tipo de práticas transfóbicas e atitudes discriminatórias contra a comunidade LGBTQIA+, a serem realizadas pela Secretaria Nacional do Consumidor em parceria com a Secretaria Nacional de Segurança Pública; a criação de programas de educação e capacitação para eliminar atitudes e práticas preconceituosas; e a elaboração de relatórios semestrais com avanços e redução de combate à transfobia, com transmissão dos dados à Secretaria Nacional de Segurança Pública para a instauração de inquéritos policiais criminais para combate ao crime de racismo transfóbico.

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