O Ministério Público Federal (MPF) entrou com ação civil pública nessa segunda-feira (11) na Justiça Federal no Pará por danos sociais e morais coletivos contra a senadora Damares Alves (Republicanos-DF) e a União. Na ação, os procuradores pedem que as duas partes sejam condenadas a indenizar em R$ 5 milhões (R$ 2,5 milhões cada) a população do arquipélago do Marajó (PA). O processo se refere a uma fala da ex-ministra num culto evangélico, durante as eleições de 2022, contendo falsas informações sensacionalistas envolvendo abuso sexual e torturas às crianças do Marajó.
O episódio se refere a declarações dadas pela ex-ministra da Família, Mulher e Direitos Humanos de Jair Bolsonaro durante um culto religioso em Goiânia em outubro do ano passado. Na ocasião, ela expôs detalhes de casos de violência e abuso sexual diante de uma plateia formada, inclusive, por crianças. O Congresso em Foco procurou a assessoria da senadora, mas não houve retorno até o momento. O texto será atualizado caso a parlamentar se manifeste.
“Eu vou contar uma história para vocês, que agora eu posso falar. Nós temos imagens de crianças brasileiras de três, quatro anos que, quando cruzam as fronteiras, os seus dentinhos são arrancados para elas não morderem na hora do sexo oral”, relatou. Ela disse ainda que as meninas e meninos comem comida pastosa “para o intestino ficar livre na hora do sexo anal”, afirmou a ex-ministra em sua pregação. Damares não falou quais providências foram tomadas sobre os casos e nem se foram feitas denúncias para os órgãos competentes.
A ex-ministra afirmou que falava no culto como pastora, e não como política. Damares disse que tinha o “manto constitucional” para se expressar no local e defendeu abertamente o voto no presidente Jair Bolsonaro (PL).
“Tem coisas que eu não posso falar lá fora, mas aqui eu tenho uma liberdade constitucional de manifestar a minha fé. A guerra contra Bolsonaro que a imprensa levantou, que o Supremo levantou, que Congresso levantou, não é uma guerra política, é uma guerra espiritual”, disse Damares.
A ex-ministra também fez elogios à primeira-dama, Michelle Bolsonaro, que participava da pregação. As duas são amigas próximas e participam da cruzada religiosa de Bolsonaro entre o eleitorado evangélico.
A Ação Civil Pública 1048097-80.2023.4.01.3900 foi ajuizada na 5ª Vara Federal Cível da Justiça Federal em Belém.
O MPF pede que o valor a ser pago pela União e pela senadora seja revertido em favor de projetos sociais destinados à região do arquipélago. Solicita, ainda, que a União seja condenada a elaborar, divulgar e executar imediatamente um plano de ações, com políticas públicas reais para a região, para concretização das metas pretendidas no Programa Cidadania Marajó. As medidas devem ser implementadas sem prejuízo das ações já programadas.
O Ministério Público Federal afirma que os crimes foram narrados no contexto de campanha eleitoral para o ex-presidente da República Jair Bolsonaro, candidato à reeleição, e usados para justificar a existência do “maior programa de desenvolvimento regional na Ilha do Marajó”. No caso, a ex-ministra referia-se ao Programa Abrace o Marajó, criado pelo governo federal durante a sua gestão como ministra, com o objetivo de melhorar o IDH dos municípios da região.
Para os procuradores da República que assinam a ação, as graves violações na região do Marajó não justificam “a utilização sensacionalista da vulnerabilidade social daquela população, associada à divulgação de fatos falsos, como palanque político e eleitoral em benefício do então presidente da República e da própria ministra”.
Segundo a ação, além de não contribuírem em nada, as reiteradas desinformações discriminatórias divulgadas por uma alta autoridade da administração pública federal reforçam estereótipos e estigmas históricos. De acordo com os procuradores, esse tipo de informação falsa confunde a sociedade e prejudica a execução de políticas públicas sérias e comprometidas com a melhoria das condições sociais da população do Marajó, causando danos sociais e extrapatrimoniais aos moradores da região.
Os procuradores ressaltaram que as declarações de uma ex-alta autoridade da administração pública federal e recém-eleita senadora da República geraram grande repercussão em diversos setores da sociedade e na mídia. Segundo eles, as consequências foram graves e potencializados pelo trânsito rápido e instantâneo com que as informações são veiculadas em razão das tecnologias atualmente disponíveis. Além disso, ocasionaram uma grande movimentação de força de trabalho e gastos públicos para analisar as denúncias e apurações relacionadas aos fatos narrados por Damares Alves, embora nada tenha sido confirmado.
O MPF destaca que a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) solicitou informações ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos sobre os supostos crimes envolvendo tráfico transnacional de crianças e estupro de vulneráveis na região do Marajó no período de 2016 a 2022.
A pasta que havia sido comandada por Damares informou que, entre 2016 e 2022, o quantitativo de registros somava 251 denúncias, encaminhas às autoridades competentes. Segundo a ação, as informações revelaram registros desorganizados e, por muitas vezes, genéricos, sem indicação exata do que havia sido requisitado pela PFDC. Dessa forma, o MPF aponta que o ministério “não comprovou os registros dos crimes de altíssima gravidade narrados por sua própria ex-ministra”.
Em outra frente de atuação, os procuradores da República que atuam no Pará também solicitaram ao ministério informações sobre os supostos crimes contra crianças da região e quais providências o órgão tomou ao descobrir os casos, e se houve denúncia ao Ministério Público ou à Polícia. O MPF também solicitou informações ao estado do Pará, que respondeu dizendo não haver registros de supostos atos de tráfico internacional de menores na Ilha do Marajó.
Os procuradores da República da região também ressaltaram que, em 30 anos, nenhuma denúncia foi recebida pelo MPF sobre tráfico de crianças. Segundo a nota do órgão, o MPF atuou, de 2006 a 2015, em três inquéritos civis e um inquérito policial instaurados a partir de denúncias sobre supostos casos de tráfico internacional de crianças que teriam ocorrido desde 1992 no arquipélago do Marajó, no Pará. “Nenhuma das denúncias mencionou nada semelhante às torturas citadas pela ex-ministra Damares Alves”, diz um dos trechos da nota.
O Ministério Público do Pará também divulgou nota informando que não havia recebido denúncia formal ou prova do que a ex-ministra relatou e a Polícia Federal informou que nenhuma das investigações coincide com os fatos narrados por Damares Alves. (Com informações do MPF)