2 maio 2024

A experiência italiana no combate às organizações mafiosas

Coronel Ulysses Araújo

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Precisamos no Brasil abandonar o relativismo em relação à violência e perceber que vivenciamos uma guerra civil. Esta constituí a base do texto onde o deputado coronel Ulysses discorre sobre o tema em artigo publicado no blog do Fausto Macedo, do Jornal o Estado de São Paulo. Leia a íntegra do artigo:

A experiência italiana no combate às organizações mafiosas

A referência mundial ao combate ao crime organizado é a Itália. Não apenas em razão do nível de periculosidade e sistematização de redes alcançadas pelas corporações mafiosas, mas, em especial, pelos instrumentos e estratégias adotadas pelo Estado italiano para combatê-la. Berço da teoria garantista de Luigi Ferrajoli, a Itália se reinventou após a execução dos juízes Giovanni Falcone e Paolo Borsellino em 1992. Os dois magistrados são ícones do combate às máfias e outras organizações criminosas, dentre as quais a famigerada Cosa Nostra. A atuação de Falconte e Boserllino, de característica normativa multifacetária, permitiu a enrijecimento das leis por meio de um código antimáfia.

Nesse sentido, a busca de estratégias para o aperfeiçoamento dos mecanismos eficientes e que possibilitasse repressão qualificada à máfia, conduziu a alterações legislativas na esfera penal e processual, além de promover modificações orgânicas do Poder Judiciário e do Ministério Público daquele país. Tudo com o fito de priorizar o enfrentamento ao crime organizado.

A reforma legislativa não apenas potencializou a função retributiva da pena com o aumento em sentido estrito do tempo de pena cominado aos crimes passíveis de serem cometidos pelos indivíduos integrantes das organizações mafiosas, mas inseriu nesse novo compêndio medidas de prevenção patrimoniais, como o sequestro e o confisco de bens que “aparentemente” estariam vinculados à organização criminosa. Assim, a descapitalização patrimonial da máfia passou a compor uma das estratégias processuais preventivas, direcionadas a privar a organização criminosa dos bens, cuja procedência não é passível de demonstrar a licitude, dificultando que pessoas vinculadas à máfia dessem continuidade as ações criminosas.

Paradoxo abissal em relação à praxe incrementada no direito penal italiano são as comuns devoluções de bens às organizações criminosas brasileiras, promovidas por um modelo de justiça que há muito tempo deixou de representar a vontade popular. Nesse sentido, rememoro a recente decisão do Superior Tribunal de Justiça, que promoveu a devolução dos bens milionários do traficante André do Rap, fundada no fato de que na ordem de prisão do referido criminoso não constava a apreensão de bens, mesmo que a procedência fosse incerta.

Esse é mais um dos episódios que demonstram a falência do sistema garantista empreendido e, infelizmente, defendido por muitos no Brasil, que efetivamente potencializam o emponderamento das organizações criminosas e a certeza de que o crime compensa, pois os bens pertencentes aos “laranjas” do André do Rap continuarão a patrocinar ou serão utilizados em benefícios das atividades desempenhadas pelas organizações criminosas.

Na aspiração de conhecer os pressupostos legais adotados pela Itália, no sentido de promover o efetivo combate as organizações mafiosas, representei a Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara de Deputados – CSPCCO, no Fórum Internacional do Programa de Combate ao Crime Organizado Transnacional, que ocorreu em Roma (Itália) entre os dias 23 a 25 do corrente mês. A experiência vivenciada durante o evento, que envolveu especialistas em segurança pública de diversos países ocidentais, permitiu conhecer as estratégias adotadas pela Itália para o enfrentamento do crime organizado.

A oportunidade permitiu conhecer fundamentos doutrinários e legislativos que modernizaram o compêndio criminal daquele país, através medidas diferenciadas em relação aos delitos que envolvem organizações mafiosas, bem como abolidoras de práticas processuais fundadas no garantismo que fertilizavam o ambiente de atuação das organizações criminosas. Nesse sentido, estarei propondo a CSPCCO, por meio de requerimento, a criação de uma comissão destinada a promover reforma normativa profunda que modernize o sistema de justiça criminal pátrio, tornando as “penas mais duras” e dotando as instituições investigativas e de promoção da ação penal de ferramentas que permitam despatrimonializar os indivíduos e empresas que se beneficiam do “narconegócio”.

Mas esse esforço apenas alcançará êxito se houver o envolvimento dos poderes constituídos e, principalmente, da sociedade brasileira, assim como ocorreu na Itália após as mortes dos juízes Giovanni Falcone e Paolo Borsellino em 1992. Naquele ano o povo foi às ruas exigir mudanças que obstassem o terror imposto pelas organizações mafiosas. Precisamos abandonar o relativismo em relação à violência e perceber que vivenciamos uma guerra civil, onde grupos de malfeitores impõe terror a comunidades subjugadas e ainda ameaçam a vida daqueles que pretendem combatê-las.

Retomar o monopólio da força em todo território nacional é o mínimo que se deve exigir do Estado brasileiro e, para isso, é necessário reformar nossas leis, tornando-as mais duras e eficientes, a fim de atingir não apenas o indivíduo, mais o patrimônio utilizado pelo crime organizado para manter suas atividades. Só assim teremos êxito no enfrentamento do maior inimigo incomum da sociedade brasileira – o narcotráfico.

*Coronel Ulysses é deputado federal (União/AC), 2.º vice-presidente da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, advogado especializado em Segurança Pública. Ex-comandante-geral da PMAC. Ex-CMT do BOPE/PMAC. Fundador da COE e GEFRON (SEJUSP/AC). Especialização em Gerenciamento Superior de Polícia na Lake Technical Center Institute of Public Safety na Flórida (USA) e Instrutor Master de Técnicas SWAT, Anti-Kidnap e Contraterrorismo da UNITED STATE POLICE INSTRUCTOR TEAMS (Orlando-USA)

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