Os desafios de promover segurança pública na faixa de fronteira do País

A extensão da fronteira do país é de 16.885,7 quilômetros, abrangendo 10 dos 12 países da América do Sul. Já a faixa de fronteira, que compreende o espaço de 150 quilômetros de largura, ao longo das fronteiras terrestres, corresponde a 27% do território nacional, abrangendo 588 municípios, caracterizados pela heterogeneidade, nos aspectos geográficos, econômicos e de segurança.

Dentre os países que mantém fronteira com o País, alguns se destacam pela produção de substâncias entorpecentes, em especial de cocaína e de maconha, bem como pela comercialização clandestina de armas de fogo. Esses fatores alimentam a crescente violência na faixa de fronteira do País, caracterizada principalmente pelos crimes de tráfico de entorpecentes, contrabando de armas, tráfico de pessoas e ambientais.

Cabe destacar, que inicialmente a violência instalada na faixa de fronteira se apresentava como efeito colateral do enfrentamento entre as duas grandes narco-organizações criminosas pelo domínio das rotas. Entretanto, atualmente esse cenário se agravou, com a presença efetiva de lideranças das ORCRIMs tupiniquins nas sedes dos grandes cartéis dos países andinos produtores de cocaína, de onde comandam a logística de distribuição e comercialização.

Nesse ambiente complexo, a defesa da soberania se confunde com programas destinados a manter ou ao menos alcançar níveis aceitáveis de segurança pública e, consequentemente, evitar que os insumos da violência, as armas e os entorpecentes, entrem em nosso país. Dentre os normativos e programas destinados a tal finalidade se destacam:
o Art. 142, da CF, que define as competências das Forças Armadas;
o Art. 144, da CF, que dispõe das competências das Forças Federais de Segurança Pública em relação à polícia administrativa de fronteira, o controle migratório e a repressão ao trafico internacional de entorpecentes;
o Lei Complementar 97/99, que dispõe sobre as normas gerais para a organização, o preparo e o emprego das Forças Armadas, e nela se encontram regulamentadas as atribuições da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nas suas atividades de prevenção e repressão aos crimes transfronteiriços e ambientais;
o O Programa de Proteção Integrada de Fronteiras (PPIF)- instituído pelo Decreto número 8.903, de 16 de novembro de 2016, que tem entre os seus objetivos os de coibir a incidência dos crimes transfronteiriços e ambientais e as ações do crime organizado na Faixa de Fronteira; e
o O Programa Nacional de Segurança nas Fronteiras e Divisas (VIGIA), lançado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública no ano de 2019.

Entretanto, apesar do vasto compêndio normativo destinado a disciplinar a atuação do Estado Brasileiro na proteção das faixas de fronteira, observa-se que não há efetivamente uma coordenação integrada dos esforços para vigilância e enfrentamento aos crimes transfronteiriços, possibilitando ambiente fértil para exploração do crime organizado.

Nesse contexto de efetiva ausência do Estado, os números da violência contra a vida nas unidades da federação que mantém fronteira com a Bolívia, o Peru e a Colômbia – países produtores de cocaína – sofreram alta significativa nas últimas décadas.

A presença das narco-organizações em nossas fronteiras, em especial na região amazônica, além de inflacionar a criminalidade violenta, corrompe a cultura dos povos nativos, subjugando jovens indígenas e ribeirinhos as atividades de base da cadeia do tráfico de drogas, destinada a segurança das rotas e zonas de domínio, bem como, o transporte de entorpecentes em pequenas quantidades, conhecido popularmente como “mula”.

A falta de logística e de efetivo que deveriam garantir aos órgãos federais, em especial a Polícia Federal, condições de cumprir as competências definidas no texto constitucional, bem como o baixo envolvimento do Exército Brasileiro nas estratégias e ações operacionais destinadas a manter constante vigilância, são fatores que potencializam a insegurança de nossas fronteiras.

Além disso, o baixo investimento e atenção dos governos ao longo dos anos, não somente com o combate a essas organizações criminosas, mas também com o desenvolvimento dessas regiões, fez com que o crime organizado na fronteira se desenvolvesse de forma agressiva ao redor dos limites do estado brasileiro.

Por outro lado, registram-se proposições de algumas unidades federadas, que destinaram estruturas policiais locais ao enfrentamento dos crimes transfronteiriços, independentemente das competências legislativas em vigor. Essas iniciativas se caracterizam, não apenas pela criação de unidades policiais destinadas exclusivamente à atividade de enfrentamento aos crimes transfronteiriços, mas pela aproximação dos órgãos locais e federais de segurança pública, no sentido de buscar alternativas ao combate às organizações criminosas que exploram o tráfico internacional de entorpecentes, bem assim, pelo firmamento de acordos locais com governos de outros países, no sentido de definir políticas e práticas integradas destinadas ao combate ao narcotráfico.

Nesse aspecto, no ano de 2019 o Governo Federal criou o Programa Nacional de Segurança nas Fronteiras e Divisas (VIGIA), atualmente denominado Programa Guardiões da Fronteira, a fim de robustecer as iniciativas já existentes em alguns estados brasileiros, bem como incentivar o envolvimento de outros estados que não adotavam praticas locais para enfrentamento aos crimes transfronteiriços.

Destaque-se, que as atividades derivadas do Programa Guardião da Fronteira promoveram um prejuízo de mais seis bilhões de reais ao crime organizado , nos três primeiros anos de vigência do programa. Tendo como principais características o financiamento de capacitação, a aquisição de equipamentos tecnologia adequada e financiamento de operações de vigilância e enfrentamento aos crimes transfronteiriços.

Destarte, apesar dos resultados satisfatórios promovidos pelo Programa Guardião da Fronteira, as políticas atualmente em vigor se demonstram insipientes ante ao desafio de promover a adequada proteção de nossas fronteiras e, consequentemente, faz-se necessário aprofundar o debate sobre a política de proteção da faixa de fronteira de nosso país, a fim de readequar os normativos destinados a definir as competências das Forças e Órgãos Federais responsáveis pela proteção e vigilância de nossas fronteiras. Nesse sentido, a Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara de Deputados, aprovou requerimento de autoria desse signatário, destinado a promover audiência pública com autoridades de diversas esferas federais, estaduais e municipais, a fim de elaborarem propostas legislativas destinadas à criação de uma “política nacional de enfrentamento aos crimes transfronteiriços”.

*Coronel Ulysses é deputado federal (União/AC), 2.º vice-presidente da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, advogado especializado em Segurança Pública. Ex-CMT Geral da PMAC. Ex-CMT do BOPE/PMAC. Fundador da COE e GEFRON (SEJUSP/AC). Especialização em Gerenciamento Superior de Polícia na Lake Technical Center Institute of Public Safety na Flórida (USA) e Instrutor Master de Técnicas SWAT, Anti-Kidnap e Contraterrorismo da UNITED STATE POLICE INSTRUCTOR TEAMS (Orlando-USA)