Há oito dias, aquilo que parecia ser mais uma segunda-feira comum, ainda pela manhã, se revelou o marco na vida do motoboy Alessandro Monteiro Martins, de 26 anos. No pátio da farmácia em que o rapaz trabalha como entregador de medicamento, de repente, uma mulher, mais tarde identificada por Maíza Cardoso Souza, de 43 anos, passa a ofendê-lo com palavras racistas, chamando-o, entre outras coisas, de “negro maldito”.
O rapaz prestou queixa à polícia e a mulher passou a ser procurada para ser presa em flagrante. No entanto, ela escapou ao ser internada no Hospital de Doenças Mentais do Acre (Hosmac), sob a alegação, da advogada e de familiares, de que ela tem problemas mentais, o que ainda não foi comprovado, já que a Secretaria de Estado de Saúde do Acre (Sesacre) não disponibilizou o prontuário médico da paciente.
O que pouca gente sabe é que o motoboy, morador do Bairro São Francisco, é um cidadão com formação em administração de empresas e tem demonstrado empatia com a sua situação de sua própria agressora, defendendo que ela não seja presa. Ele acha que as humilhações pela quais vem passando já foram suficientes para que a servidora pública compreenda as consequências de seus atos e que o racismo é crime.
Na entrevista a seguir, o motoboy fala o que mudou em sua vida a partir da repercussão do fato, naquela segunda-feira:
O que mudou em sua vida a partir daquele dia? Você esperava toda essa repercussão?
Alessandro Monteiro – Mudou, sim. Passei a ser conhecido e onde vou as pessoas me cumprimentam por minha atitude, de não reagir com violência nem ofender a mulher e procurar meus direitos com base na lei. Em nenhum momento eu esperava gerar essa repercussão toda, inclusive em nível nacional. Estou aproveitando essa fama para impor a voz negra na sociedade, dando entrevistas e lutando contra o racismo. Fora isso, todo meu psicológico foi abalado devido este ato, mas uma equipe de psicólogos vêm me acompanhando.
Passado esse momento terrível, o que você pretende fazer? Como será seu futuro?
Alessandro Monteiro – Pretendo seguir em frente. Sou um jovem guerreiro que acorda cedo todos dias e busca de seus objetivos. A vida já é difícil e a gente sendo negro se torna duas vezes mais. Estou há cerca de 6 anos atuando na área de delivery, porque não consegui vaga na área em que sou graduado, administração. Mas ser motoboy é também uma profissão muito digna, mas meu sonho é parar com as entregas e ter uma oportunidade de emprego melhor. Até ser alguém tiver lendo essa matéria, digo que estou à disposição e espero por uma oportunidade de emprego melhor. Além de motoboy, tenho uma renda complementar, como agente de portaria noturno em uma escola da rede pública na Cidade do Povo. Antes mesmo de ocorrer este fato de racismo, eu já era uma pessoa bem conhecida entre os jovens. Isso facilita as relações e consigo influenciar as pessoas a participarem de eventos, onde entra a venda de ingressos, que eu também entrego onde as pessoas pedem. Produtores locais de eventos me procuram pedindo ajuda na divulgação de seus eventos. Como eu atuo na área de delivey, faço vendas de ingresso, ganhando uma comissão pela vendas e taxa do delivery do ingresso.
Como é sua vida pessoal? Você é casado, tens filhos?
Alessandro Monteiro – Minha vida pessoal é acordar todo dia cedo e correr atrás dos meus objetivos. Não tenho filhos e, atualmente, estou solteiro.
Você mora com seus pais ?
Alessandro Monteiro – Sim. Tenho irmãs e meus pais são minha fonte de energia para superar esse ato de racismo e outros problemas que aparecem. Desde aquele dia, ao ver aquela mulher me ofendendo, minha mãe ficou muito abalada psicologicamente. Ela hoje toma medicamento como calmantes. Ela recebe um auxilio de doença pelo INSS.
Como foi sua infância?
Alessandro Monteiro – Minha infância nunca foi fácil. Não nasci em berço de ouro . Na infância ja cheguei a cata restos de linhas na rua pra pode brinca de pepeta, por não ter condições de comprar. Morava na parte baixa do bairro São Francisco, onde os anos alagava. Todos os anos era o mesmo sofrimento. Mesmo assim não desisti dos meus estudos e, “Se ficar comprovado que ela é doente mental, creio que não pode viver livre em sociedade, mas acho que a prisão seria algo muito duro”, disse mesmo com todas dificuldade, fiz o ensino superior em administração na Unopar.
Se você tivesse a oportunidade de um novo contato com a senhora Maíza, que te ofendeu, o que você diria a ela?
Alessandro Monteiro – Sinceramente, não quero o mal dela. Não desejo prisão dela, sendo ela doente ou não. Uma pena de prisão é algo muito duro. Isso não irá diminuir o ato que ela cometeu e também por ela ser uma pessoa de idade, mas também não posso deixar esse crime impune. Acho que ela tem que pagar, mesmo que seja com serviços comunitários. Caso fique provado que ela tenha problemas mentais, se os laudos comprovarem, creio que ela é incapaz de conviver livre na sociedade e deve ficar em tratamento fechado no Hosmac. Mas, a meu ver, ela é sim é capaz de responder pelos seus atos, pois ela chegou ao local onde ocorreu o ato de racismo com aparentemente nenhum distúrbio, sendo até que momentos antes ela entrou a loja e sacou dinheiro normalmente.
Então você não gostaria de vê-la presa?
Alessandro Monteiro – Não. E não é por pena, mas acho que o ato de prisão não irá mudar nada em relação aos os fatos ocorridos. Mas também não pode ficar impune. Acho que uma punição deve servir de exemplo pra sociedade que racismo é crime. Não guardo nenhuma magoa dela , mas a justiça deve ser feita para que esse caso não repita
Como está sendo o tratamento da empresa com a qual você trabalha em relação ao caso?
Alessandro Monteiro – A empresa terceirazada em nenhum momento entrou em contato comigo, assim como também a familia dessa senhora. Ate hoje não chegou nem um pedido de desculpa. O dono do app (aplicativo) em que atuo postou uma nota repudiando o ato.
Como você se imagina no futuro?
Alessandro Monteiro – Nisso tudo a única coisa que espero é que a justiça seja feita para que isso não possa se repetir, pois ninguém merece passar por uma situação dessa de racismo, independente da cor ou raça. Mas estou torcendo para ter uma oportunidade melhor de emprego na sociedade.