Pelo histórico e pela consistência numa época pouco simpática a reconhecimentos culturais, já dá para dizer que se trata de honraria com alguma tradição. O autor que dá nome à distinção aparece tanto como primeiro vencedor quanto potencial hors-concours, em que pese seu sumiço. Depois disso, um time que merece (ou não) atenção ficou com a jaca.
Em 2018, Ernesto Araújo, até outro dia chanceler de Bolsonaro, levou graças ao seu conjunto de ficções assumidas: “A Porta de Mogar”, “Xarab Fica” e “Quatro 3”. No ano seguinte a premiada foi E. L. James, a mesma da trilogia “Cinquenta Tons de Cinza”, graças ao que cometeu em “Mister”. Em 2020, galardão para Rosangela Moro por toda a bajulação despejada em “Os Dias Mais Intensos – Uma História Pessoal de Sérgio Moro”.
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No ano passado, um sopro de modernização na dinâmica da coisa. Com “Ela Me Pediu Leite… Mas Eu Só Tinha Café”, Marcos Bulhões, maior escritor brasileiro desde Machado de Assis (segundo ele mesmo), mostrou que o pouco desejado troféu também olha para a literatura feita em novas plataformas de publicação, como o Instagram.
Tudo começou em 2017. Bruno Borges arquitetou uma história pessoal cheia de mistérios. A imprensa ajudou a armar o circo e repercutiu bem as balelas rocambolescas do garoto que vivia em Rio Branco. O então jovem ficou conhecido como Menino do Acre e logo lançou o primeiro de uma prometida (e longa) série de livros. “TAC – Teoria da Absorção do Conhecimento” saiu por uma editora obscura e praticamente não ganhou atenção. Digo praticamente porque precisei encarar o negócio (o colega Cauê Muraro também passou por isso). Resenhado por razões profissionais, estabeleceu-se como a pior coisa já lida.
Nasceu, assim, o Prêmio Menino do Acre – Troféu Auto Revolucionar-se a Si Mesmo. Se outros veículos nos enchem com listas de melhores do ano, aqui olho para a outra ponta do histórico de leituras. Seja por necessidade, curiosidade, obrigação, castigo, falta de consideração comigo mesmo ou qualquer outro motivo mais ou menos razoável, o que de pior foi lido entre janeiro e dezembro?
Tivemos temporadas com leituras mais pavorosas, preciso reconhecer. Participar de júri de prêmios é sempre uma oportunidade para ter contato com muito livro que merecia ser mantido na gaveta. No entanto, se até aqui a maioria desses títulos permanece longe dos holofotes, não será o troféu infame que jogará luz sobre eles. Projeções do autor e da obra são elementos importantes na decisão tomada em longas e tensas reuniões do conselho da Página Cinco – são muitas as discussões íntimas que tenho para chegar ao parecer.
No crepúsculo de 2022 um tuíte colocou na disputa uma boa candidata. Se levasse com o seu “O Pacto”, conto de erotismo fajuto que circulou numa edição de 1988 da revista Playboy, Regina Duarte se tornaria a vencedora com o texto mais antigo dentre os premiados. Concorrem as histórias lidas no ano vigente, independente da data de publicação, vale lembrar. Mas não foi o caso. Com “Amor e Gelato”, Jenna Evans Welch é outra que chegou bem cotada na reta final, mas perdeu força por entregar justamente o que promete: nada.
Diferente da vencedora. Esta promete muito e explora temas sensíveis numa obra cheia de oposições grosseiras, cenas melosas, diálogos pobres, muitas explicações e pouquíssimas sutilezas, além de uma trama bastante previsível para qualquer leitor mais ligeiro. Uma das autoras mais comercializadas no Brasil em 2022, a estadunidense Colleen Hoover é a grande vencedora do Prêmio Menino do Acre desta temporada. Ela leva o Troféu Auto Revolucionar-se a Si Mesmo graças ao seu best-seller que já vendeu mais de meio milhão de exemplares por aqui: “É Assim que Acaba”.