Mercado recebe nomeação de Haddad ao Ministério da Fazenda com cautela

Especialistas explicam que a maior preocupação do mercado é com a condução da política fiscal no próximo governo.

Conforme esperado, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva anunciou Fernando Haddad como o ministro da Fazenda do próximo governo no fim da manhã desta sexta-feira (9), pouco tempo antes do jogo do Brasil pelas quartas de final da Copa do Catar.

A postura do mercado é, sobretudo, de cautela com quais serão as medidas adotadas pelo político no novo cargo.

Haddad foi ministro da Educação e prefeito da cidade de São Paulo, é formado em Direito pela Universidade de São Paulo (USP), se especializou em Direito Civil e fez mestrado em economia e doutorado em filosofia pela mesma universidade.

Apesar da experiência acadêmica com economia, segundo Victor Beyruti, economista da Guide Investimentos, a escolha por Haddad não tem sido bem-recebida pelo mercado porque, nos últimos anos, seus posicionamentos econômicos são mais alinhados ao chamado “núcleo duro” do PT, que centraliza o governo no processo de tomadas de decisões.

“Se a gente pudesse fazer uma comparação do Haddad dentro do próprio governo do PT, a visão econômica dele está mais alinhada ao Guido Mantega (ex-ministro da Fazenda no governo Dilma) do que ao Henrique Meirelles (que foi presidente do Banco Central do Brasil no governo Lula e ministro da Fazenda de Michel Temer)”, comenta Tiago Feitosa, consultor de valores mobiliários e professor da T2 Educação.

De olho na política fiscal

De acordo com Bruno Mori, economista e sócio fundador da Sarfin, há preocupação de que Haddad, enquanto ministro, adote uma postura de descontrole fiscal, com um perfil muito “gastador”, o que poderia levar o Brasil a voltar a ter um grande déficit nas contas públicas.

Feitosa explica que é necessário que o governo seja responsável com a questão do controle de gastos porque a falta de responsabilidade fiscal pode afetar, inclusive, as políticas sociais.

“É inegável a necessidade de termos políticas sociais importantes que ofereçam assistências às pessoas que precisam. Mas a gente não pode promover política social sem cuidar de política fiscal, porque não cuidar da política fiscal implica em problemas sociais no futuro, como novas altas da inflação”, diz o consultor de valores mobiliários.
O professor ainda pontua que cuidar da política fiscal não significa, necessariamente, que não se pode mexer no teto de gastos.

“Teto de gasto é um parâmetro importante para que a gente tenha um controle fiscal e não provoque fuga de capital estrangeiro, aumento de dólar e inflação. Entretanto é algo que pode sim ser debatido, mas debatido com responsabilidade. Pensar eh em uma nova âncora fiscal para que a nossa economia seja baseada nela”, diz Feitosa.

Reações do mercado

Um consenso entre os especialistas é que o mercado já precificava a nomeação de Fernando Haddad há algumas semanas. Por isso, bolsa e dólar não são tão impactados pelo anúncio no pregão desta sexta. O Ibovespa, principal índice acionário brasileiro, opera em alta, puxado pela Vale, enquanto o dólar registra leve variação positiva, próximo da estabilidade.

A moeda americana chegou a ter um avanço mais expressivo enquanto o anúncio era feito, mas logo recuou.

Beyruti, da Guide, explica que o que ainda pode mexer com os ativos nacionais é a definição dos nomes de primeiro escalão do ministério, que vão compor a equipe de Haddad. Segundo o economista, a depender de quem o novo ministro escolher, o mercado pode reagir positiva ou negativamente.

Leo Dutra, analista de investimentos da Invius Research, pontua, no entanto, que Haddad ainda não deu muitas sinalizações sobre quem estará em sua equipe econômica, mas já destacou que deve reunir com acadêmicos e outros especialistas para estudar a melhor forma de criar um novo arcabouço fiscal.

A Federação Brasileira de Bancos (Febraban), em nota, desejou sucesso ao futuro ministro e ressaltou que o setor bancário, tradicionalmente, se posiciona a favor de pautas voltadas para o desenvolvimento do país, além de reiterar que está à disposição para colaborar com o novo governo.

“Político experiente, ex-prefeito de São Paulo, afeito ao diálogo e com qualidades reconhecidas, Haddad já assumiu compromisso com o crescimento, agenda social e responsabilidade fiscal, como demonstrou em discurso durante o almoço anual de Dirigentes de Bancos, realizado em 25 de novembro”, afirma a instituição.

Economia X Política

De acordo com Tiago Feitosa, a escolha de Lula por Haddad vai além do campo econômico, mirando, principalmente, a política brasileira depois de seus quatro anos de mandato.

André Perfeito, economista-chefe da Necton, compartilha do mesmo ponto de vista e afirma que a escolha, mesmo desagradando parte do mercado, reforça a perspectiva de que o governo petista não fará grandes experimentalismos no campo econômico.

“A razão para isso é simples. É público e notório o esforço de Lula em empoderar Haddad e fazer deste seu sucessor direto já em 2026 uma vez que a idade avançada do presidente deve frustrar a perspectiva de um segundo mandato. Para além da idade, vale notar que, se Haddad for candidato à presidência, precisará muito da ajuda de Lula como principal cabo eleitoral”, comenta Perfeito.

Nesse sentido, os especialistas consideram que Lula – e, consequentemente, Haddad – não deve se arriscar muito na agenda econômica, já que falhar nessa área poderia frustrar as expectativas de uma nova eleição petista em 2026.

G1