‘Parem de nos matar’: mulheres clamam pelo fim da violência no estado mais perigoso para uma mulher viver

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Eram meados de 1943 quando, com apenas 20 anos de idade, a professora Rosalina Sousa da Silveira abriu a porta de casa para ir ao Grupo Escolar 7 de Setembro, onde lecionava, em Rio Branco. Naquele momento, foi golpeada por um estranho, com um terçado que atravessou seu peito, interrompendo, lentamente, sua respiração e fechando seu largo e alegre sorriso para sempre.

O estranho era Lázaro, um presidiário da antiga Penitenciária Ministro Vicente Rao, a primeira da Capital acreana, localizada no prédio que virou Hotel Chuí, onde, atualmente, é a Prefeitura Municipal de Rio Branco. A motivação do crime foi que, sem que Rosalina soubesse, Lázaro nutria por ela um “amor” platônico, que se transformou em ódio ao saber que ela estava noiva de outro. Na mente doentia de Lázaro, se Rosalina não fosse dele, não seria de mais ninguém. E não foi.

Rosalina é lembrada ainda hoje, com carinho, por todos que a conheceram. Seu túmulo, localizado no Cemitério São João Batista, é um dos mais visitados, anualmente, no Dia de Finados, e ela é, inclusive, considerada santa por alguns que atribuem a ela milagres. Fato é que, da década de 40 até os dias atuais, o túmulo de Rosalina foi ganhando nova vizinhança, com corpos e mais corpos de mulheres ali enterrados pelo mesmo crime: o feminicídio, que, na época de Rosalina, ainda não era tipificado assim, mas, na prática, já ocorria, como sempre ocorreu, desde o início dos tempos, vitimando pessoas pelo simples fato de serem mulheres.

Em 2016, 73 anos após a morte de Rosalina, pouco ou nada desta realidade havia mudado. Foi em uma segunda-feira comum de trabalho – assim como era um dia comum para a professora -, no dia 26 de fevereiro, que Keyla Viviane dos Santos, 29 anos, foi surpreendida, no próprio emprego, uma loja de confecções no bairro Estação Experimental, em Rio Branco, pelo ex-marido Adjunior dos Santos Sena, à época com 32 anos, com quem ela havia terminado o relacionamento há alguns meses. Ali, mesmo diante de testemunhas que, em choque, nada conseguiram fazer, Keyla perdeu a vida, após ser esfaqueada, deixando para trás suas conquistas, seus sonhos, e inúmeros familiares e amigos sem chão, com a sua partida precoce.

Em vídeo das câmeras de segurança da região, foi possível ver quando o assassino chegou à loja, chamou Keyla para fora do local e interrompeu, de maneira brutal, sua curta vida. As imagens fortes, que podem ser conferidas abaixo, foram exibidas durante o jornal Gazeta Alerta, da TV Gazeta.

“Minha tia era uma mulher incrível. Apesar de muito tímida, era uma pessoa sempre alegre e tão incrível ao ponto de nunca ouvir ninguém falar algo de ruim sobre ela. Acredito que, se ela tivesse até um inimigo, ele falaria as melhores coisas sobre a Keyla Viviane. Apesar de adulta na idade, o coração era puro, como de uma criança. Que amava tereré com suco, mas tomava apenas com água para me acompanhar”, diz Matheus Tavares, sobrinho de Keyla, que tinha 21 anos na época da morte.

“Aprendemos a viver, mas todo dia dói. A saudade é algo que machuca. Todos os dias, olho a foto dela que fica embaixo da minha TV. A história em um papel até pode ser apagada como uma borracha, mas as marcas ficaram no papel. Aprendemos a viver, mas todo dia dói”, lamenta Matheus.

No mesmo ano do assassinato, em audiência, o autor do crime declarou que não aceitava que Keyla tivesse outro homem em sua vida. “Depois de um tempo, eu voltei atrás e fiquei sentindo muito ciúme, não aceitava o outro cara”, disse ele que, pelo ciúme doentio, tirou a vida daquela que tempos antes chamava de companheira.

Assim como Rosalina, em 1943, e Keyla, em 2016, inúmeras mulheres perderam a vida da mesma forma, ano após ano, no Acre, quase sempre por um companheiro, ex-namorado, ex-amante ou qualquer outra figura masculina.

Somente em 2020, ao menos 12 mulheres tiveram a vida interrompida de forma violenta. Seus nomes são: Milena, Rosiane, Elziane, Maria, Cristina, Carina, Sara, Katiana, Erlane, Larissa e Karina. Já em 2021, Deusiane, Ediana, Dulce, Adriana, Eduarda, Maria, Kátia, Dalaesse e Eloiza foram as mulheres assassinadas no Acre que, assim como muitas outras, sequer tiveram chance de se defender.

Um dos casos mais recentes, em setembro de 2021, foi o da dona de casa Kátia da Cruz Bernardo, de apenas 29 anos. Ela foi assassinada pelo marido, no bairro Nova Olinda, em Cruzeiro do Sul, interior do Acre, segunda maior cidade do Estado, na frente dos próprios filhos. As três crianças presenciaram o pai espancando e esfaqueando a mãe, e gravaram, para sempre, em suas memórias, aquelas cenas de terror que reverberarão por toda vida.

Após assassinar a esposa a sangue frio, sem nenhum motivo aparente, as investigações apontaram que o acusado, Marcos de Lima Nicácio, 41 anos, “saiu arrastando a vítima pelos cabelos, a deixou do outro lado da rua e começou a rir da situação. Acendeu um cigarro e ficou esperando a polícia chegar”, disse o delegado responsável pelo caso, Vinícius Andrade à imprensa, na época.

 

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