Foram exatos 170 dias. Do dia 6 de agosto de 1902 até o dia 24 de janeiro de 1903, quando se deu a rendição final das tropas bolivianas sob o comando do coronel Lino Romero, a Revolução Acreana, que começou em Xapuri e terminou em Puerto Alonso (atual Porto Acre), pode ser considerada um dos episódios mais importantes da nossa história durante o século 20.
Mas voltemos no tempo. Até o dia 14 de julho de 1899, quando o espanhol Luiz Galvez Rodriguez de Árias proclamou a República Independente do Acre. Exatamente no dia em que se comemoravam 110 anos da Tomada da Bastilha, prisão em que estavam os intelectuais e todos aqueles que eram contra o antigo regime absolutista na França, evento que simboliza a própria Revolução Francesa.
Galvez, chamado de imperador, proclama a República, mas com proximidade ao Brasil. A moeda da nova república é o real (mais conhecido como “réis”, no plural). A língua oficial adotada foi o português, falada pelos milhares de nordestinos que migraram à região. Até as cores da bandeira eram verde e amarelo. Havia também uma estrela, no caso esta seria vermelha. Toda uma infraestrutura foi montada para fazer valer a república independente.
Deposto Galvez, uma expedição foi montada em Manaus para reinstalar a República. Era a Expedição dos Poetas, ou, como se dizia à época, a Expedição Floriano Peixoto, que era o presidente do Brasil e o segundo mandatário da nação. Um fracasso. Seus integrantes se viram obrigados a retornar ao Amazonas.
No meio disso tudo, havia os interesses dos capitalistas norte-americanos em obter a borracha da Amazônia quase de graça. Por meio do Bolivian Syndicate, os empresários realizaram acordos com o governo boliviano para a exploração da terra. Era contra tudo isso que as tropas de seringueiros formadas por Plácido de Castro iriam batalhar logo na sequência.
Entender os tratados de limites também é fundamental para compreender o processo de ocupação da Amazônia. O de Madrid, assinado no dia 13 de janeiro de 1750 pelos reis João V, de Portugal, e Fernando VI, da Espanha, trazia em seu bojo o princípio do uti possidetis, a posse por meio do uso da terra. Detinha a posse quem de fato a estivesse ocupando.
Princípio ratificado pelo Tratado de Santo Ildefonso, de 1777, mas revogado pelo de Ayacucho, de 1867, em que o Império brasileiro reconhece o direito da República boliviana sobre o território. A resolução final do conflito se daria apenas em 1903, depois da revolução, quando os diplomatas Barão do Rio Branco e Assis Brasil, pelo lado brasileiro, assinaram o Tratado de Petrópolis.
De Revolução Acreana chamamos esse conjunto de episódios que marcam a região, desde o fim do século 19 até o início do século 20. Desde a Proclamação da República Independente do Acre até a assinatura do Tratado de Petrópolis, que trouxe, como compensação à Bolívia, o pagamento de dois milhões de libras esterlinas (moeda inglesa) e a construção de uma ferrovia entre Porto Velho e Guajará-Mirim, entre os encachoeirados rios Madeira e Mamoré.
A República de Galvez
Dentro da história da Revolução Acreana, o episódio que ficou conhecido como a República de Galvez aconteceu no ano de 1899, mais precisamente no dia 14 de julho. Ela foi proclamada pelo espanhol Luiz Galvez Rodriguez de Árias para lembrar, 110 anos antes, a revolução francesa (14 de julho de 1789). Tinha como capital Puerto Alonso (depois Porto Acre após a revolução comandada por Plácido de Castro e que foi rebatizada por Galvez como a Cidade do Acre.
Galvez organizou todo o Estado. Criou escolas, hospitais, ministérios e até corpo de bombeiros. Sua ideia era criar um país no meio da floresta. Por isso, além de presidente também foi juiz, emitiu selos dos correios e criou as tradicionais cores da bandeira acreana, como a estrela em vermelho. Naquela época, o país criado por Galvez tinha aproximadamente 13 mil habitantes.
Mas pouco tempo depois, no dia 28 de dezembro de 1899, Luiz Galvez foi deposto pelo seringalista Antônio de Sousa Braga, que veio a assumir a presidência do Estado Independente do Acre. No dia 15 de março de 1900, devido à crise instalada, Braga convidou novamente Galvez a assumir o governo.
Naquele momento, o Brasil reconhecia, devido a pressões diplomáticas, a soberania da Bolívia sobre o Estado Independente do Acre. Por isso, no dia 15 de março de 1900, o governo federal enviou tropas da Marinha brasileira ao Acre para prender Luiz Galvez e devolver a posse do território à Bolívia.
Quem foi Luiz Galvez?
Galvez foi um jornalista e diplomata espanhol. Nasceu em San Fernando, em 1864, e faleceu em Madrid em 1935. Estudou ciências jurídicas e sociais na Universidade de Sevilha e trabalhou no serviço diplomático espanhol em Roma e em Buenos Aires. Em Belém do Pará, foi jornalista, e em Manaus escreveu para o jornal Commercio do Amazonas.
Ao proclamar a República Independente do Acre, justificou-se dizendo: “Se não podemos ser brasileiros, os seringueiros acreanos não aceitam tornar-se bolivianos”. Chamado de “imperador do Acre”, assumiu o cargo de presidente por seis meses, quando foi destituído do cargo. Foi ele que descobriu, em Belém, um acordo entre a Bolívia e os Estados Unidos, do qual estes se comprometiam em exigir do Brasil o reconhecimento do Tratado de 1867 (Ayacucho), que dava à Bolívia o direito sobre o território acreano. Pelo acordo, em caso de guerra entre o Brasil e a Bolívia, os Estados Unidos forneceriam todo o numerário e material bélico necessários.
Então, o governo do Amazonas, presidido por Ramalho Júnior, financiou secretamente uma expedição encabeçada por Luiz Galvez para impedir o domínio boliviano. Os revolucionários alegaram ao governo do Brasil que eram brasileiros e que colocavam acima de tudo as leis, a língua e a moeda brasileiras.