Em áudios distintos enviados ao Notícias da Hora, servidoras da Secretaria de Saúde do Município e uma das supostas vítimas de assédio sexual do chefe da pasta, Frank Lima, reafirmam e relatam como o gestor age.
Os nomes das vítimas não serão divulgados. Algumas delas são esposas, possuem família e por isso a exposição pública não é prudente, neste caso. Elas temem represálias e o julgamento antecipado da sociedade e no lugar em que elas trabalham.
Nos áudios, as mulheres narram propostas de troca de sexo por ascenção em cargos na Secretaria, brincadeiras e piadinhas de cunho sexual. Há ainda relato de assédio moral. O caso deve ser levado ao Ministério Público Estadual.
“Passar a mão na perna, brincadeira de cunho sexual, ascensão de cargo por troca de sexo. Ele se aproximou e disse que era doido para saber o que tinha debaixo da minha máscara. Fora os olhares com malícia”, afirma uma das supostas vítimas.
Outra servidora relata abordagens de Frank Lima a uma amiga dela, também funcionária, com piadinha e cunho de assédio no elevador e no corredor da Semsa. “Disse que ela estava muito pro crime”, diz a denunciante narrando.
Alguns desses casos foram relatados à vereadora Michele Melo (PDT), que pretende apresentar as denúncias na Câmara Municipal.
“Me coloquei à disposição delas como mulher. Vou denunciar por que ele tem que parar. Vou ouvi-las. E depois denunciarei na Câmara”, afirmou a vereadora.
As denúncias também devem ser encaminhadas ao Ministério Público Estadual nesta semana e ao gabinete do prefeito de Rio Branco, Tião Bocalom.
O outro lado
Frank Lima nega e diz: “Eu não tenho relacionamento de sair com meus subordinados nem para tomar café”.
Ao Notícias da Hora, o secretário de Saúde do Município, Frank Lima, afirmou que jamais tratou qualquer mulher com falta de respeito.
Lima disse que sequer convida “subordinados” para tomar café com ele. O secretário também acrescentou que tem sua namorada, é pai de filhas e nunca se “relacionou” com ninguém da Semsa. O secretário relatou, porém, que houve um caso em que uma servidora teria ficado incomodada com um abraço dele durante uma comemoração do alcance da meta de vacinação contra a covid-19, com a presença de outras pessoas em uma sala do Fundo de Saúde do Município, porém ele pediu perdão.
“Égua! Jesus! Eu desconheço. Aconteceu um fato essa semana realmente… Uma garota que no dia que saiu os 51% que a gente tinha alcançado, nesse dia a gente estava comemorando, eu entrei numa sala do Fundo Municipal de Saúde, e aí estava eu, a diretora de gestão, o diretor do Fundo, mais duas pessoas, e aí a gente estava comemorando que tinha alcançado os 50%, e nesse momento entrou uma garota que trabalha no Fundo, eu dei um abraço nela e disse: ‘Olha, comemora com a gente que nós chegamos a 50%. E aí dois dias depois a diretora disse pra mim que aquele ato de eu ter abraçado aquela moça tinha causado nela estranheza. E eu pedi para conversar com ela. Chamei ela. Pedi inclusive para a diretora acompanhar ela. Chamei ela na minha sala. Pedi perdão a ela, se ela tivesse se sentido ofendida pelo fato de eu ter abraçado ela que ela me perdoasse. Eu entendia que a atitude que eu tomei ali naquele momento ali de euforia se ela não aceitasse, eu entendia isso como direito dela’. Mas, assim, eu não tenho relacionamento com pessoas da Secretaria de Saúde pra ser acusado de assédio sexual. Assédio sexual é quando você pega um subordinado seu e coage com uma situação dessa. Mas um abraço que eu dei com outras pessoas presentes… Nunca tive relacionamentos ali dentro.
Mantenho um carinho com todo mundo da minha Secretaria, abraço todo mundo quando chego, mas tem o limite de respeito. Sou um homem de família, sou um pai de família, tenho filhas mulheres. Nunca tive nem namoradas mais nova do que eu para não dar essa margem. Tenho consciência. Tenho minha namorada que me acompanha. Tenho as pessoas que trabalham na Secretaria. Tenho muito zelo. Eu estou desde janeiro naquela Secretaria. Eu não tenho relacionamento de sair com meus subordinados nem para tomar café.”
Frank Lima vai além. Para ele há uma espécie de armação contra sua gestão.
“Agora, o que está pegando é que eu estou fazendo umas mexidas na Secretaria, no Fundo que é onde essa garota trabalha, porque o trabalho do Fundo não está condizente. Várias licitações nossas que foram para a CPL saíram dali montadas de forma que não condiz com a administração pública, diria que superfaturadas. Aí eu determinei à Diretoria de Gestão que mudasse. Talvez isso tenha causado algum desconforto e alguém está fazendo isso.”
O que diz a Lei de Importunação Sexual
Em vigor desde 2018, a Lei da Importunação Sexual deixa claro como agir e quais as consequências de cada tipo de crime sexual. Desse modo – cantadas invasivas, piadinhas vexatórias, puxar o sujeito para dar um “beijo roubado” – tudo isso denota importunação sexual.
O especialista em Direito e Processo Penal, membro da Comissão Especial de Direito Penal da OAB, Leonardo Pantaleão, em entrevista ao Observatório do Uol, explica que o crime se manifesta em espaço público, sem uso de força ou hierarquia entre vítima e agressor.
Algumas pessoas confundem a importunação sexual com o assédio, visto que ambos configuram condutas abusivas de cunho sexual. Sobre a paridade e diferenças entre os dois crimes, Leonardo enfatiza: “Ela se difere do estupro porque não apresenta violência física, e do assédio porque não há relação hierárquica ou de subordinação”.
“O nosso legislador, atendendo a uma demanda social, transformou a importunação sexual em crime, cuja pena inclusive é maior do que o assédio, podendo a chegar a cinco anos de reclusão. Além disso, a legislação também tornou crime a divulgação de cena de estupro, sexo, nudez ou pornografia, sem permissão da vítima.”.
LEVANTAMENTO – Recentemente, dois casos de assédio chamaram a atenção no Brasil. O jogador de futebol Neymar e o presidente afastado da CBF, Rogério Caboclo, foram acusados de cometer assédio sexual no ambiente profissional. Uma pesquisa do LinkedIn em parceria com a consultoria Think Eva mostrou que 47% das mulheres já sofreram assédio sexual no trabalho.
O levantamento identificou um perfil predominante entre as profissionais assediadas: a maior parte é de mulheres negras (52%) que recebem entre dois e seis salários mínimos (49%). No que diz respeito aos cargos, a maioria ocupa posições hierárquicas menores: assistente (32,5%), pleno ou sênior (18,6%), estagiária (18,1%) e júnior (13,4%).
Apesar disso, mesmo entre a minoria que ocupa posições de liderança, o índice de relatos de assédio é alto: 60% das gerentes e 55% das diretoras mencionam já ter sofrido assédio sexual. A pesquisa também indica que as mulheres têm consciência da importância de debater e expor o tema.
A maioria das participantes (51,4%) afirmou conversar sobre o assunto com frequência e 95,3% sabem definir o que é assédio sexual no trabalho. Os incidentes mais frequentes são a solicitação de favores sexuais (92%), contato físico não solicitado (91%) e abuso sexual (61%).