Famílias contraem dívidas milionárias na busca por leitos de UTI e tratamentos contra Covid

Contas com valores milionários ou crítica ao atendimento de operadoras de saúde mostram um outro lado dos dramas da 2ª onda da pandemia.

Sem leitos de UTI disponíveis e sem acesso a tratamentos específicos, parentes de infectados pela Covid-19 recorreram a hospitais particulares e a terapias específicas, sobretudo durante a segunda onda da pandemia. Segundo o relato de famílias de pacientes, contas em valores milionários e falta de apoio dos convênios mostram um outro lado dos dramas da pandemia.

De acordo com o Relatório Covid-19, divulgado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), no período entre 3 de março de 2020 e 23 maio de 2021 foram registradas 21.783 mil reclamações sobre o atendimento a pacientes da Covid. A maior parte (12.322) tratava da negativa ou ausência de rede disponível para exames e tratamento.

A família Hilgemberg é uma das que atualmente enfrenta um desdobramento da busca por atendimento no começo deste ano: sem encontrar hospitais que dispusessem de leitos de UTI e ECMO na rede credenciada do seu plano de saúde em Ponta Grossa (PR), a família optou por transferir o patriarca para a capital paulista.

Ao fim do período de internação, a dívida: uma conta avaliada em mais de R$ 1,8 milhão.

O tratamento com ECMO – Oxigenação por Membrana Extracorpórea – tem sido utilizado em casos graves de Covid-19, onde o pulmão do paciente se torna incapaz de absorver o oxigênio. O equipamento age como um pulmão artificial e oxigena o sangue fora do corpo.
Este tipo de tratamento é o mesmo pelo qual o ator Paulo Gustavo passou. Entenda no vídeo abaixo como ele funciona.

Terapia cara

Embora seja fundamental para a respiração, a terapia não é barata e tampouco é facilmente encontrada. O custo para o paciente vai depender da gravidade do caso, do tempo de uso e do hospital. Segundo a Sociedade Internacional Extracorporeal Life Support Organization (Elso), responsável por interligar os centros que oferecem a terapia, existem apenas 29 centros registrados no Brasil.

Entre os poucos hospitais que possuem o equipamento necessário para a ECMO está o Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, para onde o produtor rural Osmar Hilgemberg Junior foi transferido.

Junior, que completaria 65 anos no mês de junho, morreu em 28 de fevereiro em decorrência de uma trombose no fígado, consequência indireta dos tratamentos para a Covid-19.

A família suspeita que Junior tenha contraído o vírus da Covid-19 na cerimônia de posse da prefeita e dos vereadores eleitos em 2020, onde assumiu o cargo de Secretário de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Ponta Grossa, na região dos Campos Gerais do Paraná.

O evento aconteceu em 1° de janeiro. Junior foi hospitalizado no dia 11.

Dívidas milionárias

As contas a pagar começaram a surgir quando Junior ainda estava em Ponta Grossa e os parentes decidiram por uma transferência. O então recém-nomeado secretário do município foi intubado dois dias após ter dado entrada no Hospital Geral da Unimed, pertencente ao plano de saúde da família.

Assim ele permaneceu por duas semanas até que os médicos informaram aos familiares que seria necessário o uso de ECMO.

“Os médicos explicaram que não havia mais nada a ser feito a não ser transferi-lo para outro hospital. Ou transferia ou ele viria a óbito”, conta Osmar Hilgemberg Neto, que leva o mesmo nome do pai.

Como nenhum hospital na região tinha o equipamento necessário para a terapia, os familiares passaram a buscar vagas em outros estados. Com medo de que a demora no sistema de autorização do plano de saúde agravasse a situação do patriarca, a família assumiu o ônus de interná-lo em um hospital particular.

Consultada pelo G1, a Unimed informou que não possui registros de qualquer solicitação de liberação de tratamento para o paciente (veja mais detalhes abaixo).

A família conseguiu uma vaga no Hospital Israelita Albert Einstein perante o pagamento inicial de R$ 185 mil para “garantir a reserva”, como explicou Neto. Junior foi transferido para São Paulo por meio de uma UTI aérea já com a ECMO em funcionamento, a um custo de R$ 20,5 mil o translado e R$ 100 mil da equipe médica.

“A médica falou que se ele não começasse a ECMO no dia seguinte, ele morreria. Não tinha como eu aguardar uma semana ou dez dias para abrir protocolo com o convênio. Enquanto ele estava internado, demos início à papelada, mas eles pediram tantos documentos que, nesse meio tempo, a vida do meu pai acabou”, conta Neto.

Consultado pelo G1, o Hospital Israelita Albert Einstein informou que “salvos em casos de urgência e emergência, o Einstein solicita aos pacientes sem planos de saúde, no momento de sua entrada no hospital, o pagamento parcial antecipado em qualquer tipo de internação, não apenas nas relativas à Covid-19. Esta forma de pagamento é comum a outros hospitais privados”.

O caso não é isolado. A família Santos passou por uma situação semelhante ao internar o patriarca, o advogado Aparecido dos Santos, de 64 anos, no Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo.

Segundo a família, o advogado estava em um hospital pertencente ao Grupo NotreDame Intermédica, que não realizava a terapia com ECMO, embora fosse indicada para o seu tratamento. A família tentou a transferência de Santos para o Hospital Alemão, que fazia parte da rede credenciada, mas o pedido foi negado pela administradora.

Procurado pelo G1, o Grupo Notre Dame Intermédica afirmou que não irá se manifestar sobre o caso do paciente Aparecido dos Santos.

Os familiares internaram Aparecido como paciente particular no Hospital Oswaldo Cruz. Para internação em caráter particular nesse hospital, os filhos precisaram adiantar o valor de R$ 100 mil.

Santos permaneceu 42 dias internado, até a data do seu falecimento, no dia 26 de fevereiro. Atualmente, a família possui uma dívida de mais de R$ 1,2 milhão com o hospital.

Consultado pelo G1, o Hospital Alemão Oswaldo Cruz informou que solicita o pagamento adiantado “apenas nos casos particulares, não cobertos por planos de saúde, e que não decorrem de atendimentos presenciais de urgência ou emergência”.

G1