A terceira onda da COVID-19
A terceira onda é uma consequência da diminuição ou eliminação do cuidado a outras condições de saúde, em função do estresse que a pandemia da COVID-19 causa no sistema de atenção à saúde (WORLD ECONOMIC FORUM, 2020). Muitas atividades importantes na atenção primária à saúde e na atenção especializada ambulatorial e hospitalar são descontinuadas ou paralisadas em função do privilegiamento das intervenções relativas à COVID-19.
A terceira onda tem sido denominada, alternativamente, de “paciente invisível” (LEE, 2020). O choque de demanda promovido pela COVID-19 tornou invisíveis para os sistemas de atenção à saúde as necessidades das pessoas com condições de saúde não COVID-19.
Durante a onda inicial da pandemia os hospitais costumam direcionar os recursos rotineiramente aplicados em unidades de emergência e ambulatorial para atender ao choque de demanda que se estabelece. Em função da escassez de recursos ou por medo de infecções, os profissionais de saúde e as pessoas usuárias protelam ou cancelam consultas não urgentes, avaliações diagnósticas, cirurgias e outros procedimentos terapêuticos.
Como resultado, isso pode reduzir o número de serviços desnecessários ou adiáveis, mas ao mesmo tempo pode causar uma perigosa protelação de serviços necessários, muitos dos quais podem levar a posteriores atendimentos que requererão atenção mais complexa e mais cara ou, até mesmo, a mortes (SONG et al, 2020).
A propósito, um executivo da CVS Health assim se manifestou sobre a terceira onda nos Estados Unidos: “Há uma onda massiva vindo atrás de nós porque as pessoas adiaram cuidados vitais em termos de câncer, diabetes e doenças cardíacas”. De outra forma, a Presidente da American Medical Association advertiu: “As pessoas estão ignorando coisas sérias como dores no peito e apendicites que podem ser tratadas rápida e seguramente. É importante manter abertas as linhas de comunicação com os prestadores de serviços de saúde, mesmo na era da COVID-19” (KESHAVAN, 2020).
O lado oculto de uma pandemia: a terceira onda da Covid-19 ou o paciente invisível
Muitas pessoas com doenças não COVID-19 têm medo de se deslocarem até unidades de saúde e serem contaminadas. Normas governamentais, como ocorreu no Brasil no início da pandemia, sugeriram que as pessoas permanecessem em casa e só procurassem os serviços de saúde em casos de síndrome respiratória com sintomas avançados. Vários procedimentos foram interrompidos a fim de concentrar os leitos hospitalares no manejo das pessoas com a COVID-19. É o caso, por exemplo, da interrupção de procedimentos cirúrgicos eletivos que foram adiados ou não realizados.
Por outro lado, os recursos de saúde, incluindo os profissionais de saúde, foram fortemente ocupados nos atendimentos às pessoas suspeitas ou infectadas não sobrando tempo para o acolhimento a quem não teve a COVID-19. Por isso, elas se tornaram invisíveis aos sistemas de atenção à saúde. Consequentemente, ainda que não tendo tido o vírus, elas foram profundamente afetadas pela pandemia. Não raro ficaram desassistidas.
Os países têm adotado diferentes estratégias para o enfrentamento da pandemia da COVID-19 a fim de diminuir a propagação do vírus. Essas estratégias envolvem mecanismos de supressão por meio de intervenções não farmacológicas de higiene pessoal, uso de máscaras e distanciamento social e mecanismos de mitigação para testar, rastrear e isolar pessoas infectadas.
Isso tem sido feito para reduzir o número de reprodução e para proteger os sistemas de atenção à saúde para que não colapsem.
Adicionalmente a essas medidas muitos governos têm atuado para restringir ou atrasar a oferta de recursos eletivos, não essenciais e não urgentes, para focalizá-los na resposta à pressão da demanda determinada pela COVID-19, com a finalidade de privilegiar os equipamentos de proteção individual, os espaços físicos e o pessoal das unidades de saúde nos cuidados das pessoas com a virose (SARAC et al, 2020).
A terceira onda tem a ver com as estratégias de contenção da pandemia
Mas também com o comportamento individual das pessoas, isso indica que a diminuição da mobilidade e da atividade econômica, em grande parte assenta-se em decisões privadas que as pessoas fazem para reduzir o risco de se infectarem (CRONIN e EVANS, 2020). A combinação de respostas privadas e de políticas públicas relacionadas à pandemia provavelmente afetou a maneira como as pessoas usaram o sistema de atenção à saúde para os cuidados relativos às condições não COVID-19. Relatórios iniciais relativos a essa pandemia mostraram grandes diminuições no acesso aos serviços de urgência e emergência, em cirurgias eletivas e na atenção primária à saúde.
A pandemia mudou significativamente a forma como a atenção ambulatorial é prestada nos serviços de saúde.
Para diminuir os riscos de transmissão do vírus, seja para as pessoas usuárias, seja para os trabalhadores de saúde, os prestadores de serviços estão adiando consultas preventivas ou eletivas, tais como os exames anuais. Quando possível, estão se convertendo consultas presenciais em consultas por telessaúde. Por sua parte, muitas pessoas estão evitando buscar diretamente os serviços de saúde porque não desejam sair de casa e exporem-se a riscos de contágio. Influenciando os comportamentos dos prestadores de serviços e das pessoas usuárias estão as recomendações de governos regionais e locais para restringir deslocamentos e serviços não essenciais.
Em função disso, podem ser feitas algumas questões: Qual é o impacto clínico da pandemia? As pessoas que necessitam de mais cuidados de saúde estão sendo atendidas pelos seus profissionais? Essas novas políticas estão incentivando o uso da telessaúde? Qual é o impacto econômico da pandemia nas práticas clínicas?
Um estudo da Harvard University mostrou que as consultas ambulatoriais caíram em 60% nos períodos iniciais da pandemia, mas tiveram certa recuperação e, mesmo assim, continuaram a ser menos 1/3 de antes do início.
O lado oculto de uma pandemia: a terceira onda da Covid-19 ou o paciente invisível.
Além disso, é preciso estar atento ao fato de que a pandemia provocou uma disrupção em alguns tipos de serviços, mais que em outros. Dados de diferentes países mostraram que a maior parte deles cancelou ou adiou procedimentos eletivos não urgentes. Em alguns países procedimentos urgentes como tratamentos oncológicos, cirurgias cardíacas e hemodiálises foram mantidos e outros foram adiados. Em boa parte dos países cuidados preventivos como programas de rastreamento de câncer e imunizações foram adiados ou cancelados, em outros foram mantidos por serem considerados serviços essenciais (REED, 2020).
Um caso especial de terceira onda manifesta-se em pessoas que tiveram a COVID-19, foram tratadas e tiveram altas, mas que apresentaram consequências de longo prazo após as infecções. Dentre elas mencionam-se transtornos mentais, sarcopenia, síndrome da fadiga crônica, transtornos neurológicos, sequelas pulmonares, distúrbios renais e outras que podem convocar processos de recuperação mais ou menos longos (MAYO CLINIC, 2020). Na Coreia do Sul, verificou-se que nove em cada dez pessoas recuperadas da COVID-19 relataram apresentar efeitos colaterais após terem altas (O ESTADO DE SÃO PAULO, 2020)
Analisando as implicações futuras das terceiras ondas da COVID-19 no cenário internacional, Tebet (2020) especulou que as proscrições sobre a realização de casos menos urgentes levarão a danos colaterais para muitas pessoas com condições de saúde que realmente não poderiam esperar. Esse autor discutiu a questão dos casos eletivos afirmando que o cancelamento de reparos eletivos como hérnia e de prótese de joelho seja relativamente descomplicado, mas para muitas outras intervenções a linha entre urgente e não urgente só poderá ser avaliada retrospectivamente, o que é um problema.
A distribuição dos atendimentos em UTI´s nesse período refletiu um padrão definido como o espectro da doença oculta e da doença adiada. A doença oculta representa uma pessoa que tem outra condição de saúde sendo internada pela COVID-19. A doença adiada expressa a situação de uma pessoa que experimenta sintomas de condições sérias, mas que escolha não buscar os cuidados pelas orientações de permanecer em casa e/ou por medo de se contaminar.
O lado oculto de uma pandemia.
ADRIANO GONÇALVES