Campanha foi criada por três redes de ONGs para homenagear as vítimas da pandemia e, ao mesmo tempo, estimular a restauração da floresta
Uma árvore para cada pessoa que morreu de Covid-19 no Brasil. Esse é o objetivo do programa Bosques da Memória, que está sendo realizado em áreas de mata atlântica nos estados brasileiros com a presença desse bioma. A campanha foi criada por três redes de ONGs para homenagear as vítimas da pandemia e, ao mesmo tempo, estimular a restauração da floresta. A meta é plantar pelo menos 200 mil árvores em seis meses.
Esses “bosques da memória” serão plantados em áreas que precisam recuperar o vigor da vegetação e o habitat para a fauna. As ONGs criaram uma plataforma (www.bosquesdamemoria.com) para que os plantios sejam registrados num banco de dados, com localização, quantidade de árvores, espécies e fotos para monitorar o crescimento.
“Vamos manter os bosques vivos. Esse é um compromisso com as famílias”, explica Ludmila Pugliese, coordenadora do Pacto pela Restauração da Mata Atlântica, uma das redes na organização da campanha.
As outras duas são a Reserva da Biosfera da Mata Atlântica e a Rede de Ongs da Mata Atlântica, que reúne 280 organizações que trabalham com conservação. É essa capilaridade e a experiência de décadas que permitiu estabelecer a meta de plantio num dos ecossistemas mais degradados do Brasil, hoje reduzido a 11,73? vegetação original.
Os plantios podem ser feitos por empresas, instituições públicas, governos e outras entidades. Vinte bosques já foram plantados.
Um deles fica num assentamento de reforma agrária em Presidente Epitácio (SP) e terá 2.000 mudas. O plantio está sendo feito pela Apoena (Associação em Defesa do rio Paraná, Afluentes e Mata Ciliar), com espécies nobres da mata atlântica, como aroeira, jequitibá, jatobá, peroba rosa e os ipês amarelo, branco e roxo. “A ideia é fazer com que cada pessoa que morreu possa, de certa forma, renascer numa árvore”, explica Djalma Weffort, presidente da Apoena.
Em alguns plantios, as mudas recebem uma placa com o nome da pessoa homenageada. Foi assim que uma goiabeira branca—espécie não nativa, mas já incorporada à mata atlântica—passou a se chamar Aldir Blanc, no bosque plantado pela Associação Mico-Leão-Dourado, em Silva Jardim (RJ).
A homenagem ao compositor, morto em maio, aos 73 anos, teve a presença da viúva, Mary Sá Freire. Ela escolheu a goiabeira branca porque a espécie foi personagem da infância de Aldir Blanc.
“Cada árvore a ser reproduzida será nossa forma de dizer que as pessoas arrancadas da vida pela Covid se transformarão em símbolos de esperança”, afirmou Mary.
A goiabeira era tão importante para o compositor que aparece em crônicas como “A árvore da vida”, texto, de certa forma, premonitório: “Sair de Vila Isabel foi muito parecido com morrer, e me ocorre que ao escrever o presente texto, me aproximo, de forma cada vez mais rápida da árvore, transformada, agora sim, na goiabeira branca, que me recolherá definitivamente em seus galhos”.
A campanha coincide com os preparativos da Organização das Nações Unidas (ONU) para o lançamento da Década da Restauração de Ecossistemas (2021-2030). É um esforço da ONU, com aprovação dos países-membros, para criar um movimento global de recuperação, reverter a perda de espécies e ajudar no cumprimento de metas de redução de emissões de carbono.
Por se encaixar no espírito dessa ação, a campanha brasileira foi reconhecida pelo PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) e será divulgada para outros países. “Os bosques mostram as múltiplas dimensões da restauração. A restauração cura a nossa relação com a natureza e ao mesmo tempo é uma experiência de cura para nós mesmos”, disse Tim Christophersen, da divisão de Ecossistemas do PNUMA, em Nairobi, no Quênia.
O Tempo