Por Anieli Amorim
Como o amor se torna óbvio em uma relação? É nítido que em um primeiro momento, haverá o sentimento de admiração: lembrar em todo momento das coisas boas proporcionadas, querer estar junto a todo custo, falar sobre isso com terceiros… Um lindo capítulo esse começo de tudo, não somente entre casais, mas em todas as relações possíveis (e isso é certo para todos nós, que vivemos a vida).
Em segundo momento vem o compartilhamento disso. Existe a necessidade em mostrar para todo mundo que foi criado um laço com tal pessoa, e parece que seremos sufocados pela ausência do ar se não fizermos isso. Então vem-se a perdição.
Durante a terceira fase (e quis dividir somente em três por essa se sobressair tanto), vem à tona o único problema de todo o contexto de relacionamento possível: lidar com a situação, e muitas das vezes, lidar em silêncio.
Vamos imaginar um casal, pois é o jeito mais agressivo de se passar por um relacionamento abusivo (quando se está em um). Quando se ama, precisa haver o entendimento de um para com o outro. Precisa existir o diálogo, a persistência e acima de tudo o interesse em manter aquilo. Se a pretensão é entregar o amor para aquela pessoa e querer lapidar tudo isso, alguém acaba se perdendo e digo isso pois somos falhos. O ser humano emerge e transcende para segurar a barra das áreas da vida, seja a família, o trabalho, os estudos, a fé, os amigos… Mas entrar numa relação e levar a sério exige muita, muita, mas muita dedicação. Esquecemos tudo e vivemos por aquilo, porque deitar no final do dia e ter alguém consigo se torna o bem mais valioso. Tentamos usar toda a nossa energia para compreender o mundinho do outro, se adequar àquilo para que as coisas sejam, pelo menos, pacíficas.
Por que cometemos esse erro se sabemos que não vai funcionar assim? De repente todas aquelas áreas da vida se voltam somente a manter aquela pessoa, a qualquer custo, mesmo que tudo caminhe ladeira abaixo e ela fique. O que acontece? Bom, a maioria das vezes, apenas uma pessoa nessa relação se esforça. Vamos definir o casal em personagens: X e Y, e digamos que quem se esforça é X.
E sofre.
A pessoa ‘’X’’ precisa passar por situações em que sua dedicação não é recíproca. O desvio do ciúme torna-se comum. Não há desejo algum em querer que seu parceiro sinta interesse em outra coisa e isso é compreensível. Querendo ou não, acaba sendo algo doentio. Mas será que quem sente não tem culpa? Porque digamos que; quem cobra a satisfação tem que estar entregando e quem entrega merece ter direito de questionar atos (não?), alguns desrespeitosos, outros grosseiros e propositais e toda aquela sujeira que e cria em uma união… De repente, não tem mais família, amigos e colegas de trabalho que entendam porque essa pessoa quer ficar nessa situação e de fato ninguém conseguirá ajudar. Mas alguém precisa limpar a bagunça.
Mas X tenta.
Enquanto Y talvez ache que só amar é suficiente, X acaba se doando demais e esquecendo sua própria essência. Todo esse contexto é de um relacionamento abusivo, nome que adotamos depois de uma série de relatos onde, por sua grande maioria, as mulheres passam diariamente, e alguns homens também. E o que é o abuso afinal?
A Y não ouve, não entende o ciúme predisposto, ou talvez as dúvidas e questionamentos de X, mas ela muito menos quer que X vá embora. Enquanto X compartilha sua vida, seus sentimentos, suas ideias, seu brilho, sua alegria; em troca disso receberá o medo, a desconfiança e as frustrações. Mas não pode ir embora, tipo, de jeito nenhum mesmo.
Mas, por mais curioso e contraditório que seja, X quer ficar naquilo.
Porque aprendeu a amar. Aprendeu que existe sim uma forma de expressar esse sentimento, mesmo que em desespero, e entrega aquilo. Acorda todos os dias preocupada, durante o seu dia-a-dia, percebe coisas pela rua que quer compartilhar com o outro, respeita e apresenta a mais pura forma de fidelidade. O querer ficar junto de verdade e não querer mais ninguém. Leva esse papel tão a sério que ninguém nem duvida que tenha sentimentos profundos.
A única revolta de quem sofre o abuso é entregar o que for possível para a relação se tornar estável, mas ganhar em troca as coisas supérfluas de alguém como Y…
• O que é bom pra Y é o corpo, é a carne, o prazer.
X se recusa a achar qualquer outro atraente – Tal ato fiel deveria então vir de dentro? Porque vem de dentro pra um e não vem pra o outro?
• O que é bom é estar com os amigos.
X cortou contato com os seus a pedido do mesmo – Deveria então questionar suas amizades? Não dá. Vai receber os piores comentários possíveis se questionar.
• O que é bom é sumir por umas horas.
Se X fizer isso, é bom providenciar a ornamentação de seu velório.
• O que é bom é querer momentos prazerosos na sua hora, beijos e abraços somente quando ele o mesmo quiser te entregar.
Algumas pessoas confundem reciprocidade com caridade.
• O que é bom é Y ser vaidoso, com certeza alguém de que todos apreciam, adorado e notavelmente valorizado por pessoas solteiras, cercado de uma família que apoia os erros e ainda bate palmas, amigos que parecem mais uma cópia de si, e Y é então alguém que todos querem ser amigos.
Mas X foi esquecida. Vaidade? Se quiser fazer o cabelo e as unhas vai acabar ganhando o título de interesseira. Não ouse postar fotos mostrando um terço da sua ou vai precisar desativar a conta… Ninguém vai querer (mesmo) estar próximo de alguém que sofre tanto. Tem que tentar ser feliz tarde da noite, indo dormir. E antes do soninho da beleza, ainda tem que fazer um agrado para o rapaz (me recuso a falar “vice-versa” pois sabemos que o número maior de vítimas de relacionamento abusivo são as mulheres).
Repito estas palavras: um agrado para o rapaz.
Ainda existem cidadãos de bem que chamam isso de burrice, mas ouso chamar de desespero. Nós mulheres, muitas de nós, e não necessariamente as mais fracas mas talvez as mais fortes, vivemos isso e permitimos, caso faça necessário assinamos no cartório a autorização para tal desgaste. Nunca vai existir o pensamento de vingança em quem só quer ser amado, ou pelo menos respeitado. Não precisamos se rebaixar ao nível de um parceiro porque escolhemos lidar e ter esperança de dias bons.
E lidamos em silêncio.
Entende que vai muito além de uma agressão? E que se chegar ao nível de agressões físicas e não mais verbais, precisamos intermediar, e em boas línguas ‘meter a colher’. O que temos aqui é alguém que ama sendo obrigado a ficar com seu grande amor, mas o seu grande amor quer levar uma vida dividida: Ele dá o amor quando ele quiser, e carrega com ele uma plaquinha bem humilde, dizendo: Seja bem vinda a sua vida comigo! Você acabou de desbloquear o nível PROIBIDA DE VIVER.
E você não merece isso. Por favor, não ache que é merecedora.
Denuncie a violência doméstica. Ligue 180.