Senadores e especialistas temem que negacionismo prejudique vacinação contra covid-19

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O Brasil começará em breve a vacinar a população contra a covid-19. As autoridades de saúde prometem que os imunizantes chegarão à rede pública entre o fim de janeiro e o fim de fevereiro. O Senado acaba de aprovar uma medida provisória que libera R$ 1,9 bilhão para a compra de uma das vacinas. No Reino Unido e na Rússia, a aplicação já foi iniciada.

Trata-se de uma ótima notícia em meio à pandemia de uma doença nova que nos últimos nove meses matou 180 mil brasileiros, número igual ao da população de Teresópolis (RJ) ou 30% superior ao de vítimas fatais da bomba atômica de Hiroshima. Paradoxalmente, uma parte da população brasileira não ficou feliz ou aliviada com a novidade.

Em reuniões familiares e posts de redes sociais, não raro aparecem pessoas afirmando em tom categórico que não vão se imunizar. Para argumentar, dizem acreditar em teorias fantasiosas de que esta ou aquela vacina, em vez de proteger, provoca danos à saúde.

— O negacionismo e a desinformação estão se mostrando de maneira clara — afirma Fernando Hellmann, professor do Departamento de Saúde Pública da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). — Isso é motivo de preocupação porque a aplicação em massa de vacinas foi, em toda a história, uma das medidas que mais salvaram vidas humanas. Elas impedem a morte por doenças como cólera, raiva, febre tifoide. A varíola, que matou nada menos do que 300 milhões de pessoas no planeta entre 1900 e 1979, hoje está erradicada graças à vacinação. O óbvio, portanto, seria que as pessoas depositassem plena confiança nas vacinas criadas pela ciência e avalizadas pelas autoridades sanitárias.

Termo popularizado durante a pandemia, o negacionismo se refere à recusa a aceitar fatos que são evidentes ou foram cientificamente comprovados. É a negação do inegável. O caso mais pitoresco é o dos terraplanistas, que questionam a astronomia, a geografia e até fotos e vídeos feitos no espaço e afirmam que a Terra é plana, semelhante aos velhos discos de vinil, e não redonda. Uma pesquisa feita pelo Datafolha em 2019 apontou que 7% dos brasileiros acima de 16 anos diziam acreditar na Terra plana — o equivalente a 11 milhões de pessoas.

Há, contudo, casos sérios. Os negacionistas do Holocausto garantem que o genocídio do povo judeu no tempo da 2ª Guerra Mundial não passa de invenção — apesar de os próprios nazistas terem documentado à exaustão as execuções em massa perpetradas em seus campos de concentração. Em reação a esse tipo de mentalidade, diversos países da Europa transformaram em crime a negação do Holocausto.

Os negacionistas do clima, por sua vez, advogam que o aquecimento global não existe e que, se ele chega a existir, é algo perfeitamente natural, e não provocado pela ação humana — mesmo já estando cristalizado na literatura científica o entendimento de que os gases liberados pelo desmatamento e pela queima de combustíveis fósseis causam o efeito estufa, com consequências catastróficas como o derretimento de geleiras, a elevação do nível dos mares, o descontrole do regime de chuvas e o surgimento de ondas de frio e calor extremos.

Mesmo quando ainda não havia vacinas contra a covid-19 no horizonte, o negacionismo já prejudicava o controle da atual pandemia. No Brasil e em outras partes do mundo, pessoas têm colocado em dúvida a gravidade da doença e se recusado a seguir as medidas de proteção pregadas pelas autoridades médicas, científicas e governamentais, como usar a máscara e não fazer aglomerações.

Com frequência existe alguma teoria da conspiração sustentando cada ramificação do negacionismo. O Holocausto, na visão deturpada dos negacionistas, seria uma farsa fabricada pelos próprios judeus para justificar a criação de Israel. As mudanças climáticas causadas pelo homem, por sua vez, surgiriam como um pretexto para que o Estado ganhasse carta branca para fazer intervenções de caráter ideológico na indústria e no modo de vida da sociedade.

— A crença em teorias conspiratórias provoca nessas pessoas um sentimento de gratificação — diz o filósofo Pablo Ortellado, que é professor na Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação Digital. — Elas se sentem como uma espécie de vanguarda, pois estariam enxergando mais longe, vendo o que os outros não conseguiriam ver. Isso lhes traz satisfação. Mas é claro que esse elemento psicológico não é suficiente para explicar o negacionismo. Mais estudos precisam ser feitos.

Fonte: Agência Senado

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