“Fui humilhada, desacreditada, sofri e tive os priores dias da minha vida”. É assim que a estudante Janaína Araújo Silva fora, de 23 anos, descreve os últimos cinco meses do ano. Em julho, a jovem foi presa por engano em Cruzeiro do Sul pela Polícia Civil em cumprimento de um mandado de prisão por tráfico de drogas e organizações criminosas.
Janaína nunca teve envolvimento com crimes, mas tem o nome semelhante ao de uma mulher procurada pela Justiça chamada Janaína Araújo da Silva e que morava em Belém, no Pará. Com receio de expor mais ainda a família, a jovem pediu para não ter a imagem divulgada.
O erro só foi descoberto quando a mãe de Janaína tentou tirar a carteirinha de visitantes no Instituto de Administração Penitenciária do Acre (Iapen-AC), meses depois, para ver a filha. Contudo, as informações que constavam no sistema eram da suspeita procurada e não batiam com as informações da mãe dela.
A família contratou um advogado e confirmou que Janaína estava presa injustamente. No dia 14 de dezembro, a estudante deixou o presídio após meses encarcerada por um crime que não cometeu.
“Sou estudante, perdi mais de um ano de estudo e um emprego que minha irmã ia conseguir pra mim, além de muitas coisas que poderia ter aproveitado. Não tinha ansiedade, problemas para dormir e passei a ter durante esses meses. Estou à base de remédios”, relatou.
O Instituto de Administração Penitenciária do Acre (Iapen-AC) informou que o erro na prisão ocorreu no momento do cumprimento do mandado. A Polícia Civil é responsável por fazer a identificação do indivíduo e encaminhar ao presídio com os autos da prisão. No presídio, é feita a inclusão da pessoa no sistema e não tem como conferir as informações. O instituto destacou que descobriu o erro quando a família revelou a situação e entrou com advogado.
O Tribunal de Justiça do Acre (TJ-AC) afirmou que a Corregedoria-Geral está levantando informações sobre o fato e irá realizar a apuração detalhada. Já a Polícia Civil diz que não consta nos registros nenhuma prisão nesse sentido e que está buscando em outras forças policiais de onde partiu a prisão.
Prisão
O mandado de prisão cumprido pela Polícia Civil estava no nome de Janaína e não da suspeita. No dia do cumprimento, a jovem tinha acabado de chegar de um seringal, onde estava com o sogro plantando algumas sementes. Ela resolveu ir na zona urbana comprar mais sementes e descobriu que era procurada pela polícia.
Por volta do meio-dia de 13 de julho, uma equipe chegou na casa da cunhada de Janaína e deu cumprimento ao mandado judicial em nome dela. A jovem alega que os policiais foram grosseiros, algemaram e a colocaram dentro de uma viatura e não pediram os documentos de identificação dela.
A ação ainda foi filmada pela polícia. Em todo instante, a jovem dizia que era inocente e perguntava o motivo de estar sendo levada para a penitenciária.
“Não me pediram os documentos, na delegacia pedi para conversar com o delegado e disseram que não, que se eu quisesse esperasse minha audiência na penitenciária. Não deixaram minha família falar comigo, ia ser transferida para Rio Branco e fiquei desesperada porque não conhecia ninguém”, lamentou.
Presa e sem conseguir provar a inocência, Janaína desenvolveu uma crise de ansiedade, passou a ter problemas para dormir e precisou passar por um médico. O profissional receitou um remédio controlado para a jovem, que ela toma até hoje.
“Erraram na hora de expedir o mandado. Minha família sabia que eu era inocente, mas não tinha como provar. Não fui agredida fisicamente, mas fui verbalmente. Quando você chega no presídio querem saber o porquê que você está lá. No caso, eu não sabia e não acreditavam em mim”, falou.
A situação quase acaba também com o casamento de Janaína. No mandado de prisão dizia que ela era casada com homem chamado Alfredo, que não é o marido dela. Além disso, ela revelou que foi reprovada nos estudos. Ela tentava concluir o ensino médio quando foi presa.
“Só Deus sabe o que passei. Agradeço a oportunidade para me explicar. Só porque a gente mora em um bairro periférico não quer dizer que somos bandidos”, lamentou.
Soltura
Ainda segundo Janaína, a mãe dela tentou tirar a carteira de visitantes para ver a filha, mas as informações contidas no sistema não batiam. A partir de então, a família da jovem iniciou uma corrida contra o tempo para provar a inocência dela e retirá-la da prisão.
“O nome dela estava na lista de visitantes, mas não batiam com as do sistema. No sistema tinha as informações da Janaína Araújo da Silva, CPF e nome dos pais dela. No processo também tinham outras informações que não eram minhas. Minha família conseguiu o advogado e ele viu todo erro e, de imediato, foi conversar com a juíza pedindo minha liberdade”, explicou.
Ao saber que deixaria o presídio, Janaína relembra que sentiu a maior felicidade do mundo. Mesmo com o alvará de soltura expedido, a jovem contou que a direção do presídio não queria soltar ela.
“Foi uma lição para vida. Tive a maior felicidade do mundo quando soube que ia sair. Minha família sofreu junto comigo, somos humildes. Meu alvará chegou cedo no presídio, mas não queriam me liberar, foi preciso meu advogado ligar pro diretor para perguntar porque não tinham me liberado. Minha irmã estava me esperando e minha família em casa. Não quero que isso aconteça com ninguém”, acrescentou.
Em casa com a família e os amigos, Janaína contou que vai em busca de justiça para o erro ser reparado. Ainda como consequência da prisão, a estudante complementou que precisa de acompanhamento psicológico para se recuperar do trauma.
“Não fiz nada de errado. Até agora não recebi nada de ninguém nem um pedido de desculpas. Minha família está lutando para conseguir um psicólogo para mim porque estou depressiva e angustiada por conta disso. Vou processar [o Estado], a todo momento falava que não era eu e ninguém acreditou em mim. Fora a humilhação que passei no presídio, você ficar longe da sua família, passei o meu aniversário e da minha mãe lá dentro. Foi um sofrimento horrível, só Deus sabe quantas lágrimas derramei sem saber o que tinha feito”, finalizou.
Processo
Ao G1, o advogado Levi Bezerra, que representa Janaína, explicou que o mandado de prisão contra a cliente foi expedido pela 2ª Vara Criminal de Rio Branco. Esse mandado é resultado de uma operação policial realizada em 2009 no Acre, Manaus e Belém, contra tráfico de drogas e o crime organizado.
Não houve prisão no dia da operação. Entre 2009 a 2018, o caso foi desmembrado e o Ministério Público pediu a prisão dos envolvidos. Porém, a Janaína Araújo da Silva não foi achada e considerada como foragida.
“Na época dos fatos, da operação contra uma organização que operava no Acre, Manaus e Belém, ela tinha 11 anos, então a família sabia que não era ela. Em 2018, em razão da suspeita não ter sido encontrada, a Justiça determinou a prisão dela. No momento da expedição, o nome da Janaína aparece no processo sem nenhuma diligência ou algo que indicasse o envolvimento dela”, pontuou.
G1 Acre