Ministério Público na luta contra a Covid-19: uma questão de sobrevivência

Os corredores lotados do Instituto de Traumatologia do Acre (Into) demonstram que a guerra ainda não foi vencida. Ainda há frentes de batalhas que precisam ser vencidas e cada um luta a seu modo. Os médicos vestidos em seus jalecos às voltas com suas teses, remédios e a urgência de combater um vírus desconhecido. Do outro lado, o mais burocrático, a Promotoria Especializada de Defesa da Saúde, do Ministério Público do Acre (MPAC), atua com ofícios, reuniões e cobranças para que o Estado, inerte diante da crise, passe a reagir e dar respostas prontas e rapidas. É uma questão de sobrevivência.

O vírus é altamente letal, as informações são poucas e o Estado precisa ser acionado para que a máquina funcione e mais pessoas não percam a batalha contra o novo coronavírus que desde que chegou ao Acre já levou à sepultura mais de 700 pessoas, deixando um rastro de quase 100 mil notificações de suspeita de contaminação pela doença. Sendo que mais de 40 mil pessoas tiveram diagnóstico positivo, de acordo com dados fornecidos diariamente pela Secretaria de Saúde do Acre (Sesacre).

O Ministério Público, através da Promotoria Especializada de Defesa da Saúde, tem trabalhado no sentido de adotar medidas auxiliares e complementares aos demais poderes, além de fortalecer as atitudes necessárias para o controle da doença.

Uma luta contínua e sem previsão para acabar

Isolamento social não significou menos trabalho. Não para o promotor Gláucio Ney Shiroma que realizou dezenas de reuniões online, via aplicativo, sendo que algumas eram realizadas até mesmo no período da noite. O Sindicato dos Médicos do Acre (Sindmed-AC) demandou inúmeras vezes o MPAC em busca de ajuda para que os profissionais que estavam na linha de frente de combate a Covid-19 tivesse melhores condições de trabalho e até mesmo para que as unidades fossem abastecidas com medicamentos básicos de combate ao vírus. As demandas coletadas eram sempre apresentadas à Secretaria de Saúde para que as medidas fossem adotadas de imediato.

As ações do MPAC também foram contínuas no sentido de evitar aglomerações.

Foi atendendo um pedido ormulado pelo pelo MPAC e Ministério Público Federal (MPF), que no dia 8 de outubro de 2020, o Juízo da 2ª Vara de Fazenda Pública da Comarca de Rio Branco concedeu liminar determinando que a Igreja Evangélica Assembleia de Deus e o pastor Luiz Gonzaga de Lima se abstenham de realizar reuniões, encontros, cultos ou qualquer outro tipo de atividade no âmbito da igreja e de suas filiais, enquanto permanecerem vigentes as disposições dos decretos governamentais relacionados às medidas de enfrentamento à Covid-19.

Em ação conjunta, o MPAC e o MPF ingressaram com ação judicial no dia 8 de julho contra a Igreja Assembleia de Deus de Rio Branco por desobedecer às determinações do Decreto Estadual nº 5.496, que instituiu medidas para o enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente da Covid-19, entre as quais a realização de eventos religiosos em templos ou locais públicos, e a aglomeração de pessoas.

Assinada pelo promotor Glaucio Ney Shiroma Oshiro, titular da Promotoria Especializada de Defesa da Saúde, e pelo procurador da República, Lucas Costa Almeida Dias, a ação foi motivada pela denúncia veiculada pela imprensa e confirmada pela própria entidade religiosa de que esta teria promovido encontros, inclusive, com a presença do pastor presidente da igreja, que reuniram cerca 120 pessoas nos dias 18 e 19 de junho de 2020. A ação do MPE gerou controvérsias, porém ironicamente dois meses após a ação da Promotoria que visava evitar que os fiéis se contaminassem pelo coronavírus, o pastor presidente da Igreja Assembleia de Deus, Luiz Gonzaga de Lima, foi internado em estado gravíssimo em uma UTI por ter sido contaminado pela Covid-19.

Em ação semelhante no dia 25 de setembro de 2020, MPF, por meio da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC), e o MPAC, por meio da 1ª Promotoria Especializada de Defesa da Saúde, representaram à Procuradora-Geral de Justiça do MPAC, pedindo a proposição de ação direta de inconstitucionalidade contra a lei estadual que estabeleceu o retorno do funcionamento de igrejas no Acre com 30% de ocupação e inseriu as atividades religiosas como essenciais.

Segundo os responsáveis pela representação, procurador regional dos Direitos do Cidadão, Lucas Costa Almeida Dias, e o promotor de Justiça Gláucio Ney Shiroma Oshiro, a Lei 3.646/2020, promulgada pela Assembleia Legislativa do Acre (Aleac) no dia 25 de agosto de 2020, é formalmente inconstitucional, pois afronta a divisão de poderes prevista pela Consitutição Federal, já que as determinações dela constantes são da alçada do Poder Executivo. O chefe do Executivo é o Governador do Acre, que vetou o projeto de lei, tendo o seu veto sido derrubado pela Aleac.

Pacto Acre sem Covid

O MPAC foi um dos órgãos mais atuantes para fazer valer o pacto Acre sem Covid e no dia 17 de julho de 2020 emitiu recomendação para que municípios se adequem ao pacto. O órgão por meio do Gabinete de Gerenciamento e Enfrentamento de Crise da Covid-19, instituído pela Promotoria de Justiça Especializada de Defesa da Saúde, emitiu a recomendação nº 004/2020, direcionada a todos os municípios acreanos, para que as disposições do decreto nº 6.206/2020 – Pacto Acre Sem Covid – fossem integralmente obedecidas.

A recomendação do MPAC foi motivada pela decisão de várias prefeituras de permitir a abertura de algumas atividades, como igrejas e academias de ginástica, entre outras, em desacordo com o Pacto Acre Sem Covid. O MPAC advertiu que a desobediência ao decreto e à resolução do governo do Estado configura “erro grosseiro passível de responsabilização correspondente”.

A recomendação do MPAC alertou ainda que as eventuais insatisfações com os critérios adotados pela resolução nº 02 deveriam ser fundamentadas com base em critérios técnico-científicos e com dados epidemiológicos dirigidos à avaliação do Centro Operacional de Emergências (COE), com a finalidade de revisão dos mesmos critérios, ou serem demandados perante o Poder Judiciário.

Promotoria Especializada de Saúde atuando em uma campanha cheia de casos de Covid

Com o objetivo de combater a proliferação da Covid-19, o MPAC adotou medidas e ações coordenadas como no caso do processo eleitoral. Para o segundo turno das eleições foi firmando um pacto com os candidatos a prefeito da capital para que fosse adotado formato, disciplina e regramento com rígido cumprimento das orientações sanitárias. A rápida medida da Promotoria Especializada de Defesa da Saúde e o Comitê Estadual de Acompanhamento Especial da Covid-19 aconteceu na segunda-feira (16), no dia seguinte ao primeiro turno das eleições, ocasião em que aumentaram os casos de contaminação pelo novo coronavírus no Acre.

A reunião que aconteceu com a presença do promotor Gláucio Ney Shiroma aconteceu horas depois dos profissionais de saúde terem registrado explosões de internações por Covid e alertarem que as vagas da rede pública em leitos e UTIs estavam perto da capacidade máxima, exigindo atenções redobradas das equipes de saúde.

O promotor Ney Shiroma Oshiro, titular da Promotoria Especializada de Defesa da Saúde, destacou, na ocasião, a importância de medidas preventivas. Ele ressaltou que seria preciso manter as regras estabelecidas no primeiro turno, e até avançar, entre elas a suspensão de eventos políticos com aglomerações de pessoas, com o objetivo de garantir mais segurança à saúde de todos e evitar a proliferação da doença.

Assim como foi pactuado no primeiro turno, ficou acordado que caminhadas e cicleatas não seriam mais realizadas, e os bandeiraços só poderiam ocorrer com limite de até 30 pessoas, respeitando o distanciamento de 1,5 metro, além da obrigatoriedade ao uso de máscaras.

Já as carreatas ficaram permitidas desde que os carros estivessem com vidros abertos, com limite de pessoas correspondente à capacidade de ocupação do veículo, sendo que na parte externa, só poderiam permanecer os candidatos majoritários e observado o limite de 5 pessoas.

As reuniões em ambientes abertos ficaram limitadas para no máximo de 100 participantes.

Medidas auxiliares e complementares aos demais poderes

Rayane Vieira Rodrigues é mestranda em políticas públicas pela Universidade Federal do ABC e pesquisa a judicialização das políticas públicas. Ela publicou importante artigo no site Nexo, em abril de 2020, onde destaca a importância do Ministério Público Estadual no combate ao coronavírus e ressalta a importância da entidade atorar medidas auxiliares e complementares aos demais poderes.

“O Ministério Público se destaca como importante ator, agindo com rapidez e adotando medidas importantes em meio a pandemia. Sabe-se o quanto essa instituição vem se mostrando importante, não apenas controlando os Poderes, mas participando efetivamente em decisões e escolhas próprias da gestão de políticas públicas. Essa realidade pode ser observada atualmente no combate à pandemia”, diz.

A articulista segue dizendo que o debate sobre o assunto ainda muito recente é que os ministérios públicos estaduais estão seguindo as orientações do MPF e do CNMP.

Ela segue dizendo que a crise que vivemos escancara o que é preciso ser feito: compreender de forma mais completa qual o efeito da atuação do Sistema de Justiça nas políticas públicas, incluindo a atuação extrajudicial do MP.