A burocracia da Sesacre e o caos na saúde durante o enfrentamento ao coronavírus

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“A Covid-19 não aceita burocracia. Difícil ser profissional de saúde, desvalorizado e na hora que precisa de um leito de UTI não encontrar. Difícil se doar e correr o risco de morrer por descaso. É a realidade de muitos profissionais de saúde hoje”. Este é o desabafo de uma profissional da saúde pública do Acre, que atua na linha de frente ao enfrentamento do novo coronavírus, que chora a morte de colegas de trabalho e que ora para que outros consigam o direito de lutar pela vida, em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI).

As descrições de profissionais da saúde no Acre são tão desalentadoras quanto previsíveis, embora pudessem ter sido evitadas se a Secretaria de Saúde do Acre tivesse feito bom uso do decreto de calamidade, dos recursos e dos projetos de criação de novas vagas em UTI para o Instituto de Traumatologia e Ortopedia do Acre (Into), onde foi planejado para ter 77 leitos e mais enfermarias prontas para serem adaptadas para novos leitos, e do hospital de campanha, se tivesse fazendo bom uso do contrato de R$ 15 milhões com a empresa Medial Brasil e tomado providências antes que o pior acontecesse.

Faltou medicamentos, leitos, faltou planejamento e, sobretudo, faltou capacidade de execução. Faltou muita coisa por parte da Sesacre, menos avisos e cobranças de sindicatos dos profissionais de saúde. Foram horas de reuniões on-line, quilômetros de ofícios solicitando adequações. Foram visitas in loco nas unidades para colher demandas e todos os profissionais eram unânimes: ou tomam atitudes rápidas ou entraremos em colapso e a linha de frente formará as principais vítimas. Não era uma profecia, mas se cumpriu com exatidão diante da inércia da Sesacre.

Na segunda quinzena de maio, morreu a técnica de enfermagem Sandra Melo. Anos de serviços prestados à Unidade de Pronto Atendimento do Segundo Distrito e que não conseguiu um leito em uma UTI. A exemplo de Sandra, dezenas de profissionais da saúde se infectaram mesmo munidos de boa vontade, porém equipados com equipamentos de proteção individual (EPIs) tão frágeis quanto à resolução da gestão da Sesacre em resolver de fato as coisas. O que vemos agora são profissionais vulneráveis, doentes e rejeitados pelo sistema de saúde público que ajudaram a manter com suas próprias vidas.

O discurso oficial não bate com a inexorável verdade, assim como a realidade não suporta os entraves da burocracia.

Uma médica que prefere não ser identificada afirmou à reportagem da Folha do Acre, na manhã de domingo (5), que são poucos profissionais para muito serviço nas unidades de saúde.

A Sesacre prometeu que o 4º andar do Pronto Socorro seria usado para atendimento a pacientes graves que seriam atendidos por médicos intensivistas, mas o que entregaram foram médicos recém-formados, sem a experiência necessária para tal crise.

“Eles prometeram que teriam intensivistas lá, mas o que vemos é gente recém-formada, residente e ‘quebra-galho’ lá. Colegas que não intubam ou conduzem PCR estão lá para não deixar os pacientes desassistidos. A gerência tem se esforçado, sabe? Mas a Sesacre não esta nem aí. Prometeram pagar melhor no plantão da Sec-Covid-19, mas pagaram a mesma coisa e a nossa diretora de Assistência que foi cobrada. Ontem perdemos um colega muito amado do Huerb e o desânimo foi ainda maior. Um colega médico teve que ir embora porque passou muito mal lá. Outros dois colegas estavam extremamente nervosos. Hoje temos 1 médico para todo o quarto andar onde temos intubados e pacientes críticos, com desfalque de técnicos de enfermagem”, diz. O vírus aliado à burocracia tem matado centenas de pessoas no Acre.

A taxa de ocupação de leitos de UTI, de acordo com o secretário de Saúde, Alysson Bestene, está em 95%, mas sabe-se que a realidade é que o percentual é mais alto que isso. A situação é bem pior do que divulgam.

*Gina Menezes é jornalista, colunista política e sócia-fundadora do Jornal Folha do Acre.

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